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Crack: Uma realidade tropicalCrack: Tropical reality

12/10/2013

Estudo

É preciso realizar um trabalho diferenciado, estabelecer pontes, ações intersetoriais, para que a pessoa possa se recuperar

Com o uso de metodologias inovadoras, pesquisa sobre crack, encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça (MJ) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que 370 mil pessoas nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal são usuários regulares de crack e/ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi). 

Nos países tropicais, crack, pobreza e população em situação de rua são situações que convergem. De acordo com o estudo, é expressiva a proporção de usuários nesta situação – aproximadamente 40% dos usuários no Brasil se encontravam em situação de rua. Diante disso, podemos abrir um leque de questionamentos: o que leva essas pessoas ao crack é a exclusão social? Isto, sim, é um fator de risco para a droga?. O abandono social vem antes, o crack vem depois?

É notória a gravidade com que o crack atinge as pessoas mais pobres, visto que a situação delas é grave do ponto de vista social e também porque é uma população mais vulnerável. E por que o crack? “É muito fácil fazer crack. Dá para produzir em uma cozinha. Isso, com certeza, favorece o uso da droga”, aponta Dr. Francisco Inácio Bastos, coordenador do estudo e pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict/Fiocruz), ao atentar que é simples implantar um mercado varejista, já que sua produção pode ser realizada em qualquer lugar. Os principais motivos que levam a pessoa a usar crack, segundo ele, são: experimentação/curiosidade; questão do conflito familiar/social; e abusos (especialmente entre mulheres) e violências. “É uma população muito fragilizada, vulnerável”, resume ao lembrar que a droga surgiu nos EUA – em um país rico, na década de 80, em áreas pobres.

Segundo Dr. Bastos, o objetivo do trabalho é dar suporte para que políticas públicas sejam formuladas de maneira adequada aos grupos de pessoas extremamente vulneráveis. O estudo revela a dimensão do atual problema do consumo de crack nas capitais do Brasil, onde os usuários são predominantemente do sexo masculino – 78,7%; há um predomínio importante de “não-brancos” e observa-se a baixa frequência dos que cursaram/concluíram o Ensino Médio.

Outro dado que chama a atenção é que dentre os 370 mil usuários de crack e/ou similares estimados, tem-se que cerca de 14% são menores de idade, o que representa aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessa substância nas capitais do País, sendo que as da região Nordeste são as que somam um maior quantitativo de crianças e adolescentes consumidoras, correspondendo a aproximadamente 28 mil indivíduos.

Ao explicar que o estudo cumpriu várias fases, desde seu começo em março de 2011, o pesquisador lembra que a metodologia usada na pesquisa é inédita no Brasil, pois foi a única até o momento capaz de estimar, de forma mais precisa, populações de usuários de difícil acesso. “É uma população oculta e que representa 35% do total de consumidores de drogas ilícitas, com exceção da maconha; são cerca de um milhão de brasileiros”, observa Dr. Bastos.

Para o pesquisador, uma das constatações surpreendentes do estudo foi a região Nordeste 007Aconcentrar a maior parte dos usuários, contrariando o senso comum, segundo o qual o consumo é maior no Sudeste. De acordo com a pesquisa Estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas capitais do país, (download: Livreto Domiciliar e Livreto Epidemiológico) no Nordeste há aproximadamente 150 mil usuários de crack, cerca de 40% do total de pessoas que fazem uso regular da droga em todas as capitais do País. Acreditamos que seja em razão do próprio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo, quando equiparado nacionalmente, analisa.

Segundo o estudo, comparando-se as capitais com os demais municípios do País, observou-se uma diferença estatisticamente significativa. Nas capitais, 47,3% usuários estavam em situação de rua, enquanto que nos demais municípios essa proporção é de, aproximadamente 20%, o que documenta uma questão comum em dos os fenômenos urbanos – a pronunciada variação em decorrência da natureza própria do tecido urbano, sua dinâmica social e características econômicas e culturais.

Crack e HIV
O estudo mostra que mais de um terço dos usuários de crack – 39,5% – informaram não ter usado preservativo em nenhuma das relações sexuais no mês anterior à entrevista. Apesar da evidente exposição ao risco, mais da metade dos entrevistados – 53,9% – afirmou nunca ter realizado teste para HIV. Nos municípios esta proporção é ainda maior, chegando a 65,9% de não testagem.

Comparados com a população brasileira, os usuários de crack, entrevistados nesta pesquisa, apresentaram prevalência de HIV cerca de 8 vezes maior que a da população geral, sendo que nas capitais esta taxa foi maior que nos demais municípios.

 

Políticas mais efetivas
“O estudo ajuda a ter clareza em relação ao problema para que se possam criar programas eficazes de combate e de tratamento. Foi um avanço”, assegura Dr. Bastos ao salientar que é preciso realizar um trabalho diferenciado, estabelecer pontes e ações intersetoriais para que a pessoa possa se recuperar. Ele revela que muitos usuários não procuram serviços de saúde ou serviços sociais por medo de serem denunciados e acabarem presos.

De acordo com Dr. Bastos, as pessoas têm vontade de fazer tratamento e essa é uma questão central que precisa ser focada. “É importante ressaltar que quase 80% dos usuários no País têm vontade de receber tratamento, o que torna esvaziada a questão da internação compulsória, ela não se sustenta mais”, comenta ao dizer que essa solução higienista tem se mostrado falha em diversos países do mundo, como demonstrado em estudos detalhados conduzidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O pesquisador antecipa que sem suporte social, esses usuários não têm oportunidade de reencontrar um caminho de bem-estar, já que não se busca necessariamente a abstinência da droga. “O que se pretende com o tratamento é que o uso/ou não da droga não interfira no dia a dia da pessoa, para que ela possa trabalhar, estudar, conviver com seus amigos e familiares”, ressalta.

Ele explica que quando se perguntava ao usuário o que facilitaria a sua busca por um tratamento em relação a sua dependência, a resposta era, em sua maioria, um lugar que tivesse comida, onde pudesse tomar banho, que lhe desse suporte para obter um emprego ou frequentar uma escola. “Isso demonstra que para ajudar no tratamento da droga o enfoque social e assistencial deve estar integrado à saúde”, destaca.

Estudo

For a person to recover, a differentiated work, establish connections and intersectoral actions are required

Using groundbreaking methodology, a research on crack cocaine, requested by the National Secretary of Drugs Policies (NSDP) from the Justice Ministry (JM) to the Oswaldo Cruz Foundation (OCF), shows that 370 thousand people in Brazil’s 26 capitals and the Federal District are regular consumers of crack cocaine or similar smoked cocaine (base paste, merla and oxi). 

In tropical countries, crack, poverty and homeless people are convergent situations. According to the study, the proportion of users under these conditions is expressive – approximately 40% of Brazil’s addicts were in this situation. Facing this, we can make a variety of questions: is social exclusion that drives people towards crack cocaine? Is this really a risk factor for the drug? Social abandonment comes first, then comes crack? The severity crack strikes the poorest people is obvious, taken that their situation is more serious from the social point of view and that it is a vulnerable population. And why crack cocaine?

“It is very easy to make crack cocaine. You can produce it in a kitchen. This, for sure, favors the use of the drug”, points Dr. Francisco Inacio Bastos, study coordinator and researcher from the Health Information Laboratory (HIL/Icict/Fiocruz), while highlighting that since its production can take place anywhere, it is simple to start a retail business. The main reasons that drive a person towards crack cocaine, according to him, are: experimentation/curiosity; social/family conflicts; and abuses (especially among women) and violence. “It is a very fragile, vulnerable population”, resumes while remembering that the drug appeared in the USA – in a rich country, during the 80’s, in poor regions.

According to Dr. Bastos, the objective of the work is to give support so public policies are formulated properly for the extremely vulnerable people groups. The study reveals the dimension of the current crack consumption problem in Brazil’s capitals, where users are predominantly male – 78.7%; there is a prevalence of “non-white” and the low frequency of those who studied/finished high school.

Another fact that draws attention is that among these estimated 370 thousand crack cocaine and/or similar, about 14% are underage, what represents 50 thousand children and teenagers using this substance in the country’s capitals, from which the ones in Northeast sum the greater quantity of children and teenager consumers, corresponding to approximately 28 thousand people individuals.

When explaining that the study complied several phases, since its beginning in 2011, the researcher remembers that the methodology applied is groundbreaking in Brazil, once it was the only one so far to estimate, in a more precise way, populations of difficult access users. “It is an occult population that represents 35% of all illegal drugs consumers, excepting marijuana; about a million Brazilians”, observes Dr. Bastos.

For Dr. Bastos, one of the surprising confirmations of the study was that northeastern Brazil holds most of the users, against common sense, from which the number is greater in Southeast. According to the research “Estimation of the number of crack cocaine and/or similar drugs abusers in the country’s capitals”, (download: Livreto Domiciliar e Livreto Epidemiológico in Northeast Brazil there are approximately 150 thousand crack cocaine users, about 40% of all  regular users in the country’s capitals. “We believe the reason is the lower HDI, when compared nationally”, analyzes.

According to the study, comparing all capitals with the other cities in the country, a statistically significant difference was observed. In the capitals, 47.3% of the users were living in the streets, while in other cities, the proportion is of 20%, what documents a common question in urban phenomena – the pronounced variation due to the urban’s own nature, its social dynamic and economical and cultural aspects.

Crack cocaine and HIV
The study shows that over a third of crack cocaine users – 39.5% – affirmed to not have used condoms in any sexual relations in the month prior to the interview. Despite the obvious risk exposure, over half of the respondents – 53.9% – said to never have been tested for HIV. In the cities this proportion is even larger, reaching 65.9% of non-tested people.

In comparison to the Brazilian population, crack cocaine users, interviewed in this research, presented HIV prevalence about 8 times larger than the general population, being that in the capitals this rate was larger than in the other cities.

More effective policies
“The study helps to clearly view the problem and this way, create effective combat and treatment programs. It was an advance”, assures Dr. Bastos while highlighting that for a person to recover, a differentiated work, establish connections and intersectoral actions are required. He reveals that many users do not seek health or social services fearing to be reported and arrested.

According to Dr. Bastos, people are willing to be treated and that is the central point that need focus. “It is important to highlight that 80% of the country’s users are willing to be treated, what empties the forced hospitalization matter, it is not sustained anymore”, comments while saying that this hygienist solution has failed in many countries around the world, as demonstrated by detailed studies from the World Health Organization (WHO).

The researcher forwards that without social support, these users do not have the opportunity to find the way to well-being, once necessarily the drug abstinence is not an option. “What is intended with the treatment is that the drug use/or not use do not interfere with the person’s daily routine, so he/she can work, study and live along with friends and family”, points.

He explains that whenever he asked a user what would make him search treatment for the addiction, their answer was mostly, that the place had good food, showers and employment or education support. “This demonstrates that the social and assistance approaches must be integrated to health in order to fight the addiction”, highlights.