_destaque, Notícias

Oropouche: febre causada pelo vírus acende alerta na Colômbia

Na Colômbia, pelo menos 16% dos casos de febre são causados pelo Oropouche, um vírus que potencialmente pode emergir a qualquer momento e causar um sério problema de saúde pública

09/02/2023

Especialistas chamam a atenção para o fato de que o vírus Oropouche pode ser a causa de muitos casos suspeitos de dengue

Um artigo intitulado “Oropouche virus as an emerging cause of acute febrile illness in Colombia”, publicado em 2022, desenvolvido em colaboração entre o One-Health Genomics Laboratory da Universidade Nacional da Colômbia, Abbott Pandemic Defense Coalition e Global Health Institute da Universidade de Wisconsin (Madison, Estados Unidos), revelou que em algumas cidades colombianas, 16% dos casos de febre eram provocados pelo vírus Oropouche (OROV). A amostra foi composta por 2.967 pacientes da Colômbia, incluindo Cúcuta, Cali, Villavicencio e Leticia, que apresentavam doenças febris sem causa infecciosa identificada: a soroprevalência do vírus Oropouche foi de pelo menos 16%. A descoberta traça um roteiro para prevenir e abordar futuros problemas de saúde pública no país.

O Dr. Jorge Osorio, professor de virologia e também diretor do Institute for Global Health na Universidade de Wisconsin, um dos autores do artigo, explica que a pesquisa explorou a etiologia da doença febril aguda, já que o Oropouche não estava sendo testado em pacientes febris clínicos. Ainda segundo ele, a suspeita, na maioria dos pacientes testados, era para malária, dengue ou alguma outra arboviroses como chikungunya ou zika. “Nossa surpresa foi quando as amostras foram negativas para esses patógenos. Então, fizemos mais testes usando abordagens moleculares para a descoberta de outros patógenos e encontramos sequências inicialmente de Oropouche em algumas delas. Em seguida, realizamos testes adicionais nessas amostras e descobrimos que o Oropouche estava significativamente presente na maioria dos pacientes negativos”, acrescenta. Outro fato que chamou a atenção da equipe foi que os anticorpos para o vírus Oropouche foram encontrados nas quatro cidades incluídas no estudo (Cúcuta, Cali, Villavicencio e Leticia), indicando que o Oropouche é amplamente disseminado. De grande importância, é a detecção em Leticia, cidade mais austral da Colômbia e capital do departamento de Amazonas, local onde foi encontrado número significativo de pacientes febris infectados com Oropouche.

Investigação permite prevenir e enfrentar futuros problemas

Na Colômbia, apesar de já terem sido detectados vários casos de Oropouche, o país continua focado na dengue. “Quando olhamos para a literatura, o Oropouche é realmente prevalente em muitos locais na América do Sul, o problema é que nós aqui normalmente não testamos. Além disso, os pacientes que estão infectados apresentam sinais clínicos que são muito comuns de uma doença febril, como por exemplo, erupção cutânea e dor de cabeça. Por isso, a maioria dos médicos não suspeita de Oropouche, cujos sintomas são muito parecidos com os da dengue”, reconhece o Dr. Jorge Osorio. De acordo ele, a dengue se destaca entre todas as arboviroses como a número um, mas há dados que sugerem que a Oropouche pode ser a segunda mais importante. “A Colômbia está muito focada na dengue porque é a doença mais importante que temos no país e na região transmitida por mosquitos vetores. Soma-se a isso, à importância da descoberta de patógenos e da vigilância ativa para entender quais patógenos estão circulando na região. Por isso a nossa surpresa ao sabermos que o Oropouche tinha esse grande número de casos”, enfatiza.

Relatado pela primeira vez em 2017, em Cartagena, cidade portuária na costa caribenha da Colômbia, a febre Oropouche permaneceu uma doença pouco detectada no país porque não há muitos testes de diagnóstico. O Dr. Jorge Osorio afirma que na maioria das vezes os diagnósticos têm alto grau de certeza, mas não há kits disponíveis para fazer diagnósticos comerciais para pacientes com Oropouche. “Neste momento não há nenhum kit comercial disponível. Pretendemos fazer mais testes com algumas amostras que estão sendo coletadas em diferentes partes do país e continuar com a nossa pesquisa. Tendo em vista o quão significativo é o problema do Oropouche, se faz necessário desenvolver testes comerciais”, ressalta. Ainda segundo ele, dada a sua apresentação clínica, a febre de Oropouche deve ser incluída no diagnóstico diferencial de outras doenças frequentes e recentemente emergentes e reemergentes, como dengue, chikungunya, febre amarela e zika.

Questionado se a Colômbia pode ser a origem de uma doença com potencial de se tornar uma epidemia ou pandemia no futuro, o professor lembra que Colômbia, Brasil e outros países da região Amazônica são considerados pontos quentes para doenças zoonóticas e transmitidas por vetores. “É possível que, no futuro, novas doenças emergentes possam surgir de algumas dessas regiões da Amazônia. Precisamos estar muito vigilantes para evitar uma situação semelhante ao que aconteceu com o Zika que teve início no Brasil e depois se expandiu para a Colômbia, onde o impacto foi bastante significativo”, assinala. Ele atenta ainda para a necessidade de manter estudos de patógenos, listá-los, indicar sua localização original, onde se encontram, bem como relatar os resultados a fim de evitar essas doenças ou parar a sua propagação, como parte de uma rede de informações.

Por fim, o Dr. Jorge Osorio admite que ainda é preciso entender a dinâmica de transmissão do Oropouche na região. “A literatura descreve dois ciclos de diferentes: um urbano e outro silvestre. Definitivamente acredito que há mais trabalho a ser realizado para entendermos quais vetores do mosquito estão envolvidos na transmissão, quais reservatórios e hospedeiros e, também precisamos mais informações sobre essa doença para que possamos encontrar tratamentos e melhor apoiar a prevenção. É fundamental entender o quão importante é o problema”, encerra.

Com informações sobre a circulação emergente do patógeno, os autores recomendam que medidas sejam tomadas na Colômbia para aumentar os testes para Oropouche e também implementar estratégias de mitigação para diminuir a exposição e propagação da febre em locais importantes como Letícia. Além desse trabalho de diagnóstico, foi realizada uma caracterização genômica do vírus para fornecer ferramentas epidemiológicas para o estudo de doenças emergentes na Colômbia.

Vírus encontrado em outras partes da América

O Oropouche tem ampla distribuição nas Américas do Sul, Central e no Caribe e pode se espalhar rapidamente, com potencial para surtos. Desde um dos surtos mais significativos ocorridos no Peru, em 2016, foi dada atenção especial à incidência do vírus. Na Venezuela o Oropouche também é  encontrado com frequência. No Brasil, após a epidemia de Zika, em 2015, e de um surto de febre amarela, em 2017, o País também acendeu o alerta para o risco deste vírus, que se adaptou ao meio urbano e tem chegado cada vez mais próximo das grandes cidades brasileiras. Ele foi identificado pela primeira vez no Brasil na década de 1960 e mais de 500 mil casos foram registrados nas últimas décadas. Infelizmente há poucos lugares com recursos para confirmação em laboratório. Na região de Ribeirão Preto, por exemplo, apenas o Hospital das Clínicas está preparado. O Oropouche é um vírus que potencialmente pode emergir a qualquer momento e causar um sério problema de saúde pública no Brasil.

O Oropouche é um arbovírus da família  Bunyaviridae (sorogrupo Simbu), transmitido por mosquitos Culicoides paraensis, também conhecido como borrachudo ou maruim, da família Ceratopogonidae, encontrados em águas paradas. Mas também já foi comprovado que outros vetores também podem transmitir o vírus, inclusive o Aedes aegypti. Existe um ciclo selvagem que envolve hospedeiros como primatas e preguiças, e um ciclo urbano onde o ser humano continua sendo o principal hospedeiro. A doença produz sintomas semelhantes aos da dengue. Após uma incubação de 4 a 8 dias, os sintomas são: febre alta, cefaléia (dor de cabeça), artralgia (dor nas articulações), mialgia, calafrios, às vezes com náuseas, vômitos e erupção cutânea. Os sintomas duram de 5 a 7 dias, no entanto, a recuperação total pode levar várias semanas em alguns pacientes. Raros casos de meningoencefalite foram relatados. O Oropouche foi detectado pela primeira vez em 1955, em Trinidad e Tobago, no Caribe.