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Pesquisador explica descoberta de homem que excreta vírus da poliomielite há 28 anos

Estudo alerta para necessidade de manter alta a taxa de vacinação contra a doença, bem como as ações de vigilância

14/10/2015
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De acordo com o pesquisador Javier Martin, como esses vírus perderam as propriedades atenuantes originais das estirpes da vacina, eles poderiam potencialmente causar poliomelite em pessoas suscetíveis

Um paciente do Reino Unido que expele o vírus da poliomielite há 28 anos foi tema de artigo publicado na revista científica PLOS Pathogens. De acordo com o coordenador do estudo, doutor Javier Martin, que também é diretor do Laboratório Global Especializado na Poliomielite da Organização Mundial de Saúde, a principal conclusão é de que os poliovírus derivados de vacina contra a doença (PVDV) podem se replicar por um longo período em indivíduos imunodeficientes.

Em entrevista à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Dr. Martin explicou que o caso descrito no trabalho representa o maior período de excreção já registrado por um paciente, sendo, até o momento, o único indivíduo conhecido a excretar PVDVs altamente evoluídos.

Veja, abaixo, a entrevista na íntegra:

SBMT: Como foi a descoberta do homem que excreta o vírus há 28 anos?

Javier Martin: O paciente era parte de um estudo voltado à análise da relação entre infecção por enterovírus e inflamação intestinal entre pessoas imunodeficientes. Nos países onde isso ocorre, é possível detectar o vírus por exame de fezes. Diversos estudos em alguns países já identificaram excretores de pólio, apesar de só excretarem o vírus por um curto período. Também é possível encontrar o vírus da pólio em amostras de esgoto. Na verdade, diversas estirpes de vírus derivados de vacinas com propriedades similares aos daqueles isolados do paciente britânico foram recentemente encontrados em amostras de esgoto na Eslováquia, Finlândia, Estônia e Israel, indicando que vários excretores crônicos devem existir.

SBMT: Como a pesquisa foi feita? Quais são os resultados?

Javier Martin: Nós dizemos que o paciente tem deficiência em imunidade humoral quando excreta o vírus da pólio derivado de vacina por 28 anos, como é estimado pelo relógio molecular, que compara as sequências genômicas dos vírus encontrados em exames fecais com as desse paciente em diferentes épocas. Os vírus foram isolados em culturas de células. Usando uma gama de ensaios in vivo e in vitro, nós demonstramos que esses vírus possuíam alta virulência, com variabilidade antigênica e eram excretados em altas concentrações, sugerindo que excretores crônicos representam um óbvio risco para o programa de erradicação.

SBMT: O que essa descoberta representa para a ciência e sociedade?

Javier Martin: A principal conclusão é que poliovírus derivados de vacina (PVDV) podem se replicar por um longo período em indivíduos imunodeficientes. O caso descrito por nosso trabalho representa com ampla segurança o maior período de excreção já registrado por um paciente e o até o momento é o único indivíduo conhecido a excretar PVDVs altamente evoluídos. Como esses vírus perderam as propriedades atenuantes originais das estirpes da vacina, eles poderiam potencialmente causar poliomelite em pessoas suscetíveis, de modo que é muito importante manter elevada a taxa de vacinação, bem como as ações de vigilância. Nossos resultados em ensaios de neutralização de vírus em soros humanos e testes de imunização envolvendo ratos transgênicos que manifestam o poliovírus humano indicam que enquanto houver imunização adequada as pessoas estarão protegidas contra a doença paralisante causada por esses vírus, mas grandes mudanças nas estratégias de imunização podem ser necessárias para definitivamente interromper a ocorrência e a potencial transmissão em larga escala. Eventualmente podemos precisar de novas vacinas com vírus da pólio vivos atenuados com nenhum risco de reversão para responder a qualquer isolamento de poliovírus na era pós-erradicação. Isso é especialmente importante nesse momento de iniciativa global de erradicação da pólio e continuará a ser depois de alcançados os objetivos, enquanto tivermos que minimizar os riscos de volta da doença. Os resultados de nossa pesquisa auxiliarão na formulação de estratégias melhores para acabar de vez com a pólio, o que inclui métodos avançados de vigilância para detectar e identificar rapidamente o poliovírus, bem como amostras ambientais e esquemas de vacinação e tratamentos antivirais para concluir a erradicação e minimizar o risco de recorrência da pólio.

SBMT: A pólio ainda é uma ameaça à população mundial?

Javier Martin: Sim, ela é. Enquanto houver poliovírus circulando em qualquer lugar do mundo, todos os países estão em risco de importar a doença. É fundamental manter altos níveis de imunização e vigilância contra o vírus da pólio até que todos tenham sido eliminados da Terra. Por sinal, em 2014 poliovírus foram encontrados em amostras de esgoto no Brasil. Felizmente nenhum caso foi notificado. Isso provavelmente se deve à alta taxa de imunização da população.

SBMT: Países tropicais devem retomar suas campanhas de vacinação contra a pólio?

Javier Martin: Imunização contra a pólio ainda é parte da rotina dos programas de vacinação em todos os países do mundo. Nenhum país deve interromper a vacinação. Contudo, a cobertura da vacina não é ideal em alguns países, deixando-os vulneráveis à importação da doença. A OMS realiza ações suplementares de imunização onde ainda existe circulação do vírus e naqueles lugares com maior risco de importar a pólio.