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Refugiados: Brasil ainda precisa implementar apoio e políticas públicas para acolher essas pessoas

País necessita fortalecer políticas públicas de abrigo e emprego para que a projeção de um fluxo cada vez maior não se transforme em crise

14/08/2018
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Historicamente, o Brasil reconheceu como refugiadas 10.141 pessoas, um número não tão expressivo se considerado em comparação com outros países do mundo

A cada três segundos, alguém, em algum lugar no mundo, é obrigado a deixar sua casa para trás. Dados do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, indicam que mais de 68 milhões de pessoas no mundo encontram-se fora dos seus locais de origem devido a guerras, conflitos e perseguições. Apesar de o número recorde de deslocados e refugiados em todo o mundo, os serviços de saúde prestados a eles continuam a melhorar. A informação é da Avaliação Anual de Saúde Pública da Agência. Segundo a pesquisa, um acompanhamento semanal dos principais indicadores está ajudando a montar respostas mais eficientes e rápidas. O ACNUR alerta, no entanto, que doenças como anemia e problemas com o crescimento da criança continuam a ser preocupantes.

Nos últimos tempos, o Brasil tem se consolidado como destino de imigrantes em busca de sobrevivência longe de casa. Talvez um dos fatores importantes para o aumento do pedido de refúgio esteja ligado a peculiaridades da legislação migratória brasileira, que tem o pedido de refúgio como o modo mais seguro para que migrantes de algumas partes do mundo entrem de maneira regular no País – que se destaca por ter uma legislação sobre refúgio considerada avançada (Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997) A lei reconhece como refugiadas pessoas que fogem de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, opinião política e pertencimento a grupo social, assim como aquelas que buscam segurança diante de situações de grave e generalizada violação de direitos humanos.

Historicamente, o Brasil reconheceu como refugiadas 10.141 pessoas , um número não tão expressivo se considerado em comparação com outros países do mundo, como, por exemplo, a Turquia, que no fim de 2017 tinha 3,5 milhões de pessoas refugiadas vivendo em seu território. Além de definir o conceito de refugiado, nossa legislação garante direitos decorrentes dessa condição, como o direito ao trabalho e à educação, essenciais para a retomada de sua vida com dignidade no país de refúgio. Entretanto, o aumento no número de imigrantes e refugiados que chega ao País tem gerado a culpabilização dos mesmos, principalmente aos que migram da Venezuela, em relação ao ressurgimento de algumas doenças infecciosas, como sarampo, difteria, entre outras.

Mas não seriam eles vítimas também?

Em recente entrevista à Sputnik Brasil, a médica Karina Oliani, coordenadora de saúde do Instituto Dharma, que estava na fronteira do Brasil com a Venezuela, afirmou que os venezuelanos chegam ao Brasil com a imunidade baixa devido principalmente à desnutrição.

Entre os aspectos das políticas públicas destinadas a essas pessoas, que chegam fragilizadas ao País e precisam ser integradas, está a assistência à saúde. Assim como todos os residentes no território nacional, os refugiados têm direito ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas há dificuldades no acesso à saúde por parte dessa população, que tem vulnerabilidades específicas.

A Chefe do Escritório de São Paulo do ACNUR, Maria Beatriz Nogueira, admite que o acesso a direitos sociais, como saúde, educação e assistência social ainda é um desafio mas que o Brasil vem desenvolvendo boas iniciativas nesse sentido, sendo, contudo, essencial ressaltar a necessidade da situação diferenciada dessas pessoas, que não são nacionais e não têm pleno conhecimento sobre a organização social brasileira. “O Brasil enfrenta muitos desafios relacionado a refugiados, e boas políticas públicas podem fazer uma grande diferença em suas vidas, como por exemplo, o reconhecimento de documentos como certificados de capacitação profissional, facilita o processo para refugiados conseguirem empregos ou continuarem seus estudos. Alguns estados no Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, já implementaram iniciativa relacionada à validação de diplomas acadêmicos”, completa.

Ainda segundo ela, campanhas anti-xenofobia são de grande importância, para que a população brasileira seja conscientizada sobre a questão do refúgio e da migração. A chefe do ACNUR defende o acesso a oportunidades de educação e emprego como fundamental para que crianças e jovens refugiados sejam pessoas e profissionais bem-sucedidos e integrados à sociedade brasileira. Nesse sentido, o projeto Jovem Aprendiz , patrocinado pelo ACNUR, tem sido responsável pela inserção no mercado de trabalho de jovens em contexto de refúgio, um projeto envolvendo 180 horas de formação com o objetivo de ajudar jovem refugiados se integrarem no mercado de trabalho brasileiro. “É importante que tal iniciativa seja replicada em diversas instituições para que seu alcance seja cada vez maior e possibilite esse futuro bem-sucedido que se almeja para essa população”, complementa.

Questionada se estamos preparados para receber e ampliar a recepção de refugiados, Maria Beatriz diz que o Brasil é um país de ampla extensão territorial, com ambiente favorável para integração local de pessoas refugiadas, tanto devido a características socioeconômicas, quanto culturais e normativas. Dados colhidos pelo ACNUR , demonstram que o Brasil foi o segundo maior receptor de solicitações de refúgio em 2017 de nacionais venezuelanos na região.

Livro aborda atendimento a refugiados na saúde pública do Rio de Janeiro

A publicação “Recomeço”, lançada em 2017, aborda os desafios e aprendizados de profissionais do SUS que atendem refugiados e solicitantes de refúgio na capital fluminense. A obra traz relatos e histórias tanto dos estrangeiros quanto dos profissionais que estão na linha de frente dos atendimentos. A versão digital está disponível para download no site: www.elosdasaude.com.br.

O infectologista Dr. André Siqueira, que também é pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI-Fiocruz), lembra que o país acolhedor deve prover proteção a essa população estrangeira recebida em seu território e garantir direitos que estavam em risco no país de origem. Ele destaca a importância que os profissionais de saúde que atendem essas populações devem ter para não prejudicar a recepção dessas pessoas em sofrimento, bem como o comprometimento da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) com a melhoria das condições de vida destas populações negligenciadas e o direito à saúde e à cidadania de migrantes e refugiados.