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Relato de caso: Síndrome de Ramsey-Hunt após tratamento antimonial contra Leishmaniose cutânea

Aqui relatamos um caso de Síndrome de Ramsey-Hunt em um paciente após tratamento antimonial contra Leishmaniose cutânea

10/11/2020
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O paciente apresentou microvesículas agrupadas numa base eritematosa, começando no pescoço e subindo em direção à margem do couro cabeludo do lado direito da cabeça. O paciente também desenvolveu paralisia facial periférica de grau V no dia seguinte a ter iniciado o tratamento de herpes zoster

Melissa de Sousa Melo Cavalcante[1],[2],

Karina López Rodríguez[1],[2],

José Alejandro Lazo Diéguez[1]

Luciana Mendes dos Santos[1],[2][3]

Maria das Graças Vale Barbosa Guerra[1],[2]

Jorge Augusto de Oliveira Guerra[1],[2]

 

 

[1]. Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, Manaus, AM, Brasil.

[2]. Universidade do Estado do Amazonas, Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, Manaus, AM, Brasil.

[3]. Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Medicina, Manaus, Amazonas, Brasil.

RESUMO 

A Síndrome de Ramsay Hunt (SRH), também conhecida como herpes zoster oticus, é causada pela reativação do vírus da varicela zoster (VVZ) no gânglio geniculado do nervo facial. Aqui, relatamos um caso de Síndrome de Ramsey Hunt num paciente após tratamento antimonial para Leishmaniose cutânea. O paciente apresentou microvesículas agrupadas numa base eritematosa, começando no pescoço e subindo em direção à margem do couro cabeludo do lado direito da cabeça. O paciente também desenvolveu paralisia facial periférica de grau V no dia seguinte ao início do tratamento de herpes zoster, este resultado corroborou a suposição da Síndrome de Ramsey Hunt.

Palavras-chave: Leishmaniose. Ramsay Hunt Syndrome. Herpes zoster. Paralisia facial.

Autor correspondente: Melissa de Sousa Melo Cavalcante.

e-mail: melfsmelo@hotmail.com

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3231-2004

Recebido em 3 de fevereiro 2020

Aceito em 19 de maio 2020

INTRODUÇÃO 

A Síndrome de Ramsay Hunt (SRH) foi descrita pela primeira vez por James Ramsay Hunt em 1907. A síndrome é caracterizada por uma erupção vesicular na pina, otalgia ipsilateral e paralisia facial periférica no mesmo lado da cabeça1. Entretanto, também pode apresentar sinais e sintomas como hipoacusia, náusea, vômito, vertigem e nistagmo relacionados com a afeição do oitavo nervo craniano proximal2. O RHS é a segunda causa mais comum de paralisia facial, após a paralisia de Bell3. A incidência de RHS é de aproximadamente 5 casos/100.000 indivíduos e afeta principalmente pacientes na faixa etária de 20-30 anos4. O RHS também é frequentemente observado em pacientes idosos imunossuprimidos5.

RELATO DE CASO

Um paciente do sexo masculino, 55 anos de idade, nascido na região metropolitana de Manaus, no estado brasileiro do Amazonas, sem comorbidades, procurou ajuda médica no serviço de leishmaniose da Fundação Médico Heitor Vieira Dourado de Medicina Tropical (FMT-HVD) em Manaus. Ele tinha concluído o tratamento com um medicamento antimonial pentavalente para a leishmaniose cutânea (CL) 40 dias antes. Um histórico e exame físico detectaram uma lesão ativa com pápula satélite no membro superior direito do paciente. Recebeu tratamento ambulatorial com um segundo ciclo de aplicação de antimônio durante 30 dias.

Dez dias após o final do tratamento, a lesão de leishmaniose do paciente foi curada (Figura 1). Contudo, apresentou microvesículas agrupadas numa base eritematosa, começando no pescoço e ascendendo em direção à margem do couro cabeludo do lado direito da cabeça. As microvesículas afetaram a pina do paciente, o canal auditivo externo, e o lóbulo da orelha direita, e foram associados a uma dor grave do tipo torcicolo no percurso nervoso (Figura 2). O paciente recebeu tratamento de herpes zoster com as seguintes doses: 800 mg de aciclovir a cada 4 horas durante 7 dias, 25 mg de amitriptilina a cada 12 horas, e 500 mg + 30 mg de paco (paracetamol + fosfato de codeína). Desenvolveu paralisia facial periférica de grau V no dia seguinte ao início do tratamento de herpes zoster; este resultado corroborou a hipótese da Síndrome de Ramsey Hunt (Figura 3).

Os testes serológicos para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) foram negativos. Foram adicionados ao tratamento corticosteróides (40 mg de prednisona/dia), pomada de epitezan, e aplicações horárias de lubrificante ocular.

 

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FIGURA 1: Lesão de leishmaniose cutânea numa fase inicial de cura

 

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FIGURA 2: Microvesículas agrupadas numa base eritemato-infiltrada na região cervical, pina direita e lóbulo da orelha, e margem do couro cabeludo

 

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FIGURA 3: Paralisia facial periférica de grau V após tratamento antimonial pentavalente para leishmaniose cutânea

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O paciente relatou uma melhoria na dor cervical no final do tratamento com aciclovir; contudo, continuou a ter dores de cabeça persistentes e sintomas de paralisia facial periférica. Após a redução gradual destes sintomas, foi encaminhado para outro hospital na cidade de Manaus para tratamento de fisioterapia motora. As aplicações de lubrificante ocular e medicação analgésica foram mantidas, e o paciente foi encaminhado para o serviço de neurologia para um acompanhamento ambulatorial, onde apresentou uma recuperação neurológica completa.

DISCUSSÃO

SRH é a segunda causa mais comum de paralisia facial não-traumática em adultos4. Além disso, é frequentemente subdiagnosticada, ou mal diagnosticada como paralisia de Bell, neuralgia do trigémeo ou otite externa4. Contudo, a evolução do SRH é mais grave do que a da paralisia de Bell e apenas 30% dos pacientes afetados pelo SRH conseguem uma recuperação total3.

O diagnóstico clínico do SHR baseia-se nos sinais e sintomas, embora a sorologia específica da VZV possa ser indicada em casos atípicos1. Embora a reação em cadeia da polimerase (PCR) permita a identificação do genoma do VVZ5, estas técnicas não podem fazer um diagnóstico rápido no início do curso da doença. O citodiagnóstico de Tzanck é o mais útil em casos de emergência devido à sua rápida aplicação e interpretação simples.

Além disso, embora a ressonância magnética nuclear seja uma técnica de diagnóstico não específica, é eficaz na avaliação do prognóstico de paralisia periférica6.

A SRH deve ser diagnosticada o mais cedo possível para permitir a rápida implementação do tratamento adequado e para evitar sequelas5. Estas complicações incluem encefalite, mielite, e paralisia do nervo craniano e periférico2. O tratamento precoce com corticosteróides e medicamentos antivirais permite altas taxas de recuperação total do nervo facial dentro de 6-12 meses7. As características do paciente, tais como idade, doenças associadas, imunodeficiências, e a sua condição clínica, podem levar a um pior prognóstico.

A associação de herpes zoster com tratamento antimonial para leishmaniose também foi relatada com uma possível ligação secundária com linfopenia transitória8. Hartzell et al.9 descreveram um paciente que desenvolveu meningite asséptica e herpes zoster secundário ao vírus da varicela zoster (VVZ) durante o tratamento antimonial para Leishmaniose tegumentar americana.

Qualquer indivíduo que tenha tido varicela é suscetível ao SRH. A síndrome não é contagiosa; entretanto, a reativação do VVZ pode causar varicela em contatos que não foram previamente imunizados contra o vírus. A infecção em pacientes imunodeficientes pode ser grave; portanto, as recomendações incluem evitar contato físico com indivíduos em fase de infecção ou que não foram vacinados, bem como com indivíduos imunodeficientes, recém-nascidos e mulheres grávidas6.

Este relatório apresentou o caso de um paciente anteriormente saudável que desenvolveu uma paralisia facial rara associada ao VVZ após tratamento com medicamentos antimoniais para leishmaniose cutânea. A condição da paciente melhorou após o uso de drogas antivirais e corticosteróides sistêmicos. O diagnóstico precoce e a intervenção eficaz resultaram na manifestação de sua doença e o resultado primário foi semelhante aos descritos na literatura.

agradecimentos

À Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado.

contribuição dos autores

MSMC: concepção e desenho do estudo, Aquisição de dados, Investigação, Metodologia, Recursos, Esboço original; KLR: Aquisição de dados, Investigação, Metodologia, Esboço original; JALD: Investigação, Esboço original; LMS: Investigação, Rascunho original-escrita; MGVB: Supervisão, Visualização, Revisão-escrita e edição; JAOG: LEVANTAMENTO de dados, Metodologia, Administração de projetos, Supervisão, Visualização, Revisão-escrita e edição.

CONFLTIO DE INTERESSES

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

referencias

1.Magalhães MJS, Cardoso MS, Gontijo IL. Ramsay hunt syndrome-case report. Revneuropsiq. 2014;18(3):247–52. Available from: https://www.revneuropsiq.com.br/rbnp/article/view/40.

2.Carriço C. Relato de um caso de Síndrome de Ramsay Hunt. Rev Port Clin Geral. 2011;27(6):554–6. Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-71032011000600011&lang=pt.

3.MacLean CS, MD, PhD, Antonio MP, MD. Ramsay Hunt Syndrome with a Cranial Nerve Polyneuropathy. Proc UCLA Healthc. 2017;21:1–3. Available from: https://proceedings.med.ucla.edu/wp-content/uploads/2017/11/Ramsay-Hunt-Syndrome-with-a-Cranial-Nerve-Polyneuropathy.pdf.

4.Donati D, Santi L, Ginanneschi F, Cerase A, Annunziata P. Successful response of non-recovering Ramsay Hunt syndrome to intravenous high dose methylprednisolone. J Neurol Sci. 2012;318(1–2):160–2. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22560873.

5.Paiva ALC, Araujo JLV, Ferraz VR, Veiga JCE. Facial paralysis due to Ramsay Hunt syndrome – A rare condition. Rev Assoc Med Bras. 2017;63(4):301–2. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302017000400301.

6.Pilar M, Gallego O, María J, Ángel M, Armero T. Síndrome de Ramsay Hunt . A propósito de un caso. Rev Clín Med Fam. 2016;9(2):119–22.

7.Coulson S, Croxson GR, Adams R, Oey V, Prince ÞR, Hospital A. Prognostic Factors in Herpes Zoster Oticus ( Ramsay Hunt Syndrome ). Otol Neurotol. 2011;32(6):1025-30. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21725270.

8.Wortmann GW, Aronson NE, Byrd JC, Grever MR, Oster CN. Herpes zoster and lymphopenia associated with sodium stibogluconate therapy for cutaneous leishmaniasis. Clin Infect Dis. 1998;27(3):509-12. Available from: https://academic.oup.com/cid/article/27/3/509/280745.

9.Hartzell JD, Aronson NE, Nagaraja S, Whitman T, Hawkes CA, Wortmann G. Varicella zoster virus meningitis complicating sodium stibogluconate treatment for cutaneous leishmaniasis. Am J Trop Med Hyg. 2006;74(4):591-2. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16606989.