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Saúde Única: conexão vital para enfrentar desafios globais

A abordagem One Health é uma resposta necessária e inteligente diante das crescentes ameaças representadas pelas zoonoses e doenças tropicais

07/12/2023

Cooperação entre profissionais da medicina veterinária e da saúde humana é vital para identificar e enfrentar os desafios representados por doenças tropicais

Em um mundo interconectado em que vivemos, a interseção entre a medicina veterinária, as doenças tropicais e a abordagem de Saúde Única (One Health) emergem como pilares fundamentais para compreender e combater enfermidades que impactam humanos, animais e ecossistemas. O Dr. Fernando Nogueira Souza, médico veterinário e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Clínica Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP), destaca a importância dessa abordagem em um mundo onde surtos de zoonoses têm se multiplicado drasticamente nas últimas décadas.

“As zoonoses são um foco crucial. Com exemplos recentes como o vírus Ebola, vírus da gripe aviária, altamente patogênicos, e as coronaviroses (MERS e Covid-19), a compreensão dessas enfermidades torna-se essencial para reconhecer a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental. Essa visão multidisciplinar, que integra profissionais da medicina humana, veterinária, saúde ambiental e áreas afins, é uma peça-chave para enfrentar ameaças à saúde pública, ambientais e às doenças tropicais”, assinala o pesquisador.

O Dr. Souza atenta que mais de 75% das doenças infecciosas emergentes e mais de 60% das conhecidas em humanos são zoonoses, isso demanda um esforço contínuo no monitoramento e vigilância, especialmente diante das mudanças climáticas. “A imprevisibilidade do surgimento de novos surtos, o risco ocupacional e o rápido potencial de disseminação dessas doenças, realçam a necessidade de um sistema de saúde pública capaz de identificar rapidamente os primeiros sinais de tais ameaças e de reagir prontamente”, enfatiza. Ainda segundo ele, a colaboração e a união de esforços entre médicos, veterinários e demais profissionais da saúde são indiscutivelmente necessários para implementar eficazmente a Saúde Única, fundamental para enfrentar as ameaças à saúde pública, as questões ambientais e afs doenças tropicais.

Outro aspecto apontado pelo Dr. Souza é a resistência antimicrobiana, um dos grandes desafios globais do século XXI. A vigilância restrita em ambientes clínicos contrasta com a circulação global de microrganismos resistentes entre humanos, animais e meio ambiente, evidenciando a importância da Saúde Única na prevenção da disseminação dessas bactérias. “Apesar da resistência antimicrobiana ser rastreada mais rigorosamente em ambientes clínicos, os microrganismos resistentes prosperam globalmente e são transmitidos de e para humanos, animais e meio ambiente saudáveis. De modo geral, a vigilância da resistência antimicrobiana fora das unidades de saúde humana é geralmente insatisfatória, e representa um desafio porque os microrganismos resistentes podem circular sem serem detectados entre humanos saudáveis, populações de animais domésticos e silvestres e o meio ambiente, favorecendo a disseminação desta resistência”, acrescenta.

Colaboração interdisciplinar como pilar da Saúde Única

Nos últimos anos, vários programas e pesquisas têm enfatizado a importância de transcender as fronteiras disciplinares, fomentando parcerias entre cientistas, médicos veterinários, epidemiologistas e especialistas em saúde pública para enfrentar questões complexas de Saúde Global. Nessa linha, diversos países e organizações têm adotado estratégias One Health, que incluem vigilância ativa, compartilhamento de informações e desenvolvimento de vacinas, cruciais para compreender e controlar as enfermidades.

Contudo, o Dr. Souza destaca que o maior desafio para tentar implementar uma abordagem de Saúde Única para lidar com doenças tropicais reside na integração dos esforços multidisciplinares em âmbito global, nacional, regional e local. Essa sinergia entre médicos, farmacêuticos, veterinários, enfermeiros, biólogos e outros profissionais de saúde é essencial para prevenir, prever e controlar as zoonoses. “Para o sucesso de um programa é fundamental o trabalho em conjunto de forma holística, ou seja, a criação de uma rede coesa capaz de difundir as contribuições de diferentes conhecimentos entre os principais intervenientes (por exemplo, médicos, médicos veterinários, enfermeiros, biólogos, biomédicos, farmacêuticos e demais profissionais de saúde), que geralmente atuam separadamente nos dias de hoje”, justifica.

A interligação entre a medicina veterinária, as doenças tropicais e o conceito de Saúde Única não é apenas uma estratégia, mas uma necessidade crescente para proteger a Saúde Global. Essa abordagem holística não só beneficia a saúde de humanos e animais, mas também preserva a diversidade ecológica, contribuindo para um futuro mais saudável e sustentável para todos. Investimentos contínuos em pesquisa, políticas públicas e programas educacionais são vitais para fortalecer a abordagem de Saúde Única, enquanto a conscientização e a colaboração entre diferentes áreas são fundamentais para enfrentar os desafios das zoonoses de maneira eficiente e sustentável. O enfoque One Health é uma resposta necessária e inteligente diante das crescentes ameaças das zoonoses. Reconhecer a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental é crucial para proteger e promover o bem-estar global.

Saúde Global em foco no MEDTROP 2024

O Congresso Brasileiro de Medicina Tropical (MEDTROP) está preparando um evento inovador e altamente relevante, trazendo à vanguarda um tema que está ganhando cada vez mais destaque no campo da Saúde Global e assume papel fundamental na conscientização sobre este tema no País. Sob o lema “Medicina Tropical sob o olhar de Saúde Única“, o evento será um espaço vital para networking, compartilhamento de conhecimentos e implementação de esforços colaborativos. O Dr. Souza, como coordenador da área de Medicina Veterinária no MEDTROP 2024, espera que o congresso resulte em ações concretas para fortalecer a gestão de ameaças globais à saúde.

“Será um importante espaço para a implementação de esforços colaborativos para o fortalecimento da Saúde Única no Brasil, com destaque para a Oficina sobre Saúde Única, que contará com a participação de vários setores governamentais e privados, partes interessadas formando uma rede de integração, pesquisa colaborativa e divulgação profissional e científica sob a ótica da Saúde Única. Como médico veterinário e pesquisador com interesse ávido sobre o assunto, e agora coordenador da área de medicina veterinária no MEDTROP 2024, tenho trabalhado em conjunto com os membros da comissão organizadora do evento para criarmos um espaço para a reflexão e discussão de ações para o avanço da Saúde Única no Brasil. Esperamos que este evento possa resultar em ações concretas para alavancar a saúde pública no nosso país por meio de melhor gestão das ameaças futuras globais à saúde”, finaliza.

A comissão organizadora está unindo esforços para realizar um evento único no país com o objetivo de impulsionar a difusão de conhecimento na área, facilitar a colaboração sustentável para o controle de zoonoses em nível local, regional e nacional, e fortalecer o progresso de políticas públicas em Saúde Única em uma abordagem multisetorial pautada na ciência. Advogando por uma abordagem multidisciplinar, integrando profissionais da medicina humana, veterinária, saúde ambiental e outras áreas afins, o MEDTROP 2024 promete ser um marco na promoção da Saúde Única, oferecendo uma plataforma para a convergência de ideias, compartilhamento de conhecimento e construção de um futuro mais saudável e sustentável para as comunidades tropicais e subtropicais.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**