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Trabalho do Dr. Quique Bassat busca reduzir o impacto intolerável de doenças infecciosas na saúde da criança

A malária ainda causa um número significativo de mortes nos países de baixa renda, nos quais ela ainda é endêmica, sendo a maioria das vítimas, crianças

04/10/2016
Dr.

A saúde infantil nos países tropicais ainda é um enorme desafio. Inovação e pesquisa são imprescindíveis para gerenciar esse imenso problema com criatividade

Uma velha conhecida entre as doenças tropicais, a malária ainda mobiliza esforços de diferentes países para alcançar a sua erradicação. Durante o 52º Congresso Brasileiro de Medicina Tropical (Medtrop), o pediatra espanhol especialista em malária, Quique Bassat, apontou que nos últimos 15 anos, houve um aumento do número de países que tiveram menos de 10 casos da doença por ano, ou seja, que estão perto da eliminação. Para o especialista, todos os países podem acelerar a eliminação, com envolvimento comunitário e intervenções nos contextos locais, como aponta o programa da Organização Mundial da Saúde (OMS), sem esquecer inovações e o desenvolvimento de novas ferramentas.

As infecções respiratórias, por exemplo, são a principal causa de morte nos países em desenvolvimento. Como essas mortes são evitáveis com o cuidado médico adequado, uma proporção muito mais alta delas ocorre em países de baixa renda. A pneumonia é a infecção respiratória grave mais comum. Em crianças com menos de 5 anos de idade, a pneumonia é responsável por 18% do total de mortes, ou mais de 1,3 milhão anualmente; a pneumonia mata muito mais do que HIV ou malária. Fatores de risco para pneumonia incluem viver em condições de superlotação, desnutrição, carência de imunização, HIV e exposição ao tabaco ou fumaça em ambientes internos. Doenças respiratórias em crianças podem ser prevenidas ou amenizadas por diversas medidas básicas: melhorar a nutrição infantil; promover o aleitamento materno; garantir a plena imunização; melhorar as condições de vida para evitar superpopulação; evitar a exposição à fumaça do tabaco; reduzir a poluição do ar em ambientes internos; e tratar HIV e prevenir a transmissão do HIV de mãe para filho.

Durante o evento, o pesquisador, que atua hoje em Moçambique, na África, concedeu entrevista à Assessoria de Comunicação da SBMT, e falou sobre a saúde infantil nos países tropicais.

SBMT: Quais são as doenças mais perigosas para crianças nos países tropicais?

Dr. Quique: Infecções continuam sendo a principal causa de morbidade e mortalidade em países de baixa renda. A maioria dessas infecções que ainda matam tantas pessoas pode ser facilmente prevenida, bem como existem ferramentas que podem as prevenir. Por exemplo, doenças bacterianas (pneumonia, meningite, etc.) associadas a infecções por streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae tipo B tem sido tradicionalmente a primeira causa de morte, apesar de a grande implementação de eficazes vacinas conjugadas durante a infância ter fortemente diminuído as mazelas. A malária ainda causa um número significativo de mortes (438.000 em 2015) nos países de baixa renda nos quais ela ainda é endêmica, sendo a maioria das vítimas, crianças. Apesar da rápida diminuição da incidência e de mortes associadas a malária na última década, os números ainda são inadmissíveis. Convém dizer que, doenças do período neonatal, incluindo complicações por nascimentos prematuros, asfixia perinatal e sepse neonatal, agora ocupam o nicho deixado por outras infecções como maiores causas de mortalidade infantil.

SBMT: Falta atenção por parte das autoridades nesses países onde as doenças ainda castigam as crianças?

Dr. Quique: Não, as autoridades fazem o que podem, ainda que contando com verbas muito limitadas para investir em saúde. Muitos países africanos têm somente cerca de US$ 10,00 por pessoa/ano para investir em saúde. Se você imaginar quanta coisa precisa ser feita (e dinheiro para ser gasto) para prevenir morbidade e mortalidade, você será capaz de compreender o quanto eles são subfinanciados. Tendo dito isso, a maioria dos governos consegue fazer pequenos milagres com os poucos recursos disponíveis.

SBTM: Qual é a sua avaliação sobre saúde infantil nos países tropicais?

Dr. Quique: Ainda é um enorme desafio. Inovação e pesquisa são imprescindíveis para gerenciar esse imenso problema com criatividade. A horizontalização de estratégias e abordagens (ao invés de utilizar uma abordagem vertical, como é de costume) será necessária. Sem melhorar os frágeis sistemas de saúde, nós nunca conseguiremos reparar essa situação. Estratégias de eliminação de algumas doenças também são necessárias (malária, por exemplo).

SBMT: Qual é a perspectiva de melhora da atenção à saúde da criança em países tropicais nos próximos anos?

Dr. Quique: O mundo tem avançado muito nesse quesito. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio tiveram sucesso em aumentar a atenção às desigualdades de saúde no mundo, e um grande progresso em reduzir a mortalidade infantil. Nossa obrigação moral é não relaxar e continuar pressionando para que a sobrevivência infantil seja uma obrigação mundial, não uma opção.

SBMT: Quais as causas mais frequentes de adoecimento de crianças nos trópicos?

Dr. Quique: As infecções são as doenças previníveis mais frequentes nos Trópicos. Muitas destas infecções poderiam ser prevenidas se fossem implementadas as vacinas que já existem, mas que, às vezes, não chegam aos lugares onde são mais necessárias. A malária (para a qual ainda não há uma vacina comercializada) é a outra grande causa de doença que especificamente afeta aos países mais pobres.

SBMT: Como o processo de eliminação da malária pode alterar o cenário?

Dr. Quique: A malária já não é, nos dias de hoje, a doença que causa uma maior mortalidade em África, como tinha sido tradicionalmente. A queda da incidência de malária está repercutindo positivamente no cenário atual, e nos últimos anos passamos a ver uma porcentagem cada vez maior das febres que já não são causadas pela malária. Porém, não podemos relaxar, porque a malária sempre volta. Por isso, o único cenário possível é avançar em direção à eliminação.