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Transmissão vertical de anticorpos maternos Covid-19 após a vacina CoronaVac: relato de caso

Relato de caso de transmissão passiva de anticorpos anti-SARS-CoV-2 por imunoprofilaxia em mulheres grávidas durante o terceiro trimestre da gravidez

07/10/2021
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Neste relato de caso, a vacina CoronaVac foi administrada a uma mulher grávida e considerada segura de acordo com a literatura porque as vacinas inativadas consistem em antígenos mortos e são seguras para este grupo específico sem quaisquer efeitos adversos maiores ou danos ao feto

Menegali BT et al. – Transmissão vertical de anticorpos maternos de Covid-19

Bruno Thizon Menegali [1], [2], Fabiana Schuelter-Trevisol [1], [2], Alexandre Naime Barbosa [3], Talita Menegali Izidoro [2], Otto Henrique May Feurschuette [2], Chaiana Esmeraldino Mendes Marcon [1], [2] e Daisson José Trevisol [1], [2]

[1]. Universidade do Sul de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Tubarão, SC, Brasil. [2]. Universidade do Sul de Santa Catarina, Faculdade de Medicina, Tubarão, SC, Brasil. [3]. Universidade do Estado de São Paulo, Departamento de Doenças Infecciosas, Botucatu, SP, Brasil.

Autor correspondente: M.Sc. Bruno Thizon Menegali.

e-mail: prof.brunotm@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7347-159X

Recebido em 1º de julho de 2021

Aceito em 3 de setembro de 2021

Resumo

O uso de vacinas de RNA da doença coronavírus 2019 em mulheres grávidas levou a relatos dos primeiros casos de recém-nascidos com anticorpos contra a síndrome respiratória aguda súbita coronavírus 2 (SARS-CoV-2), um fenômeno desconhecido quando da utilização de imunizações com vírus inativados. Assim, este estudo teve como objetivo relatar um caso de imunidade passiva anti-SARS-CoV-2 em um recém-nascido por meio de imunoprofilaxia de uma gestante que recebeu a vacina CoronaVac® no terceiro trimestre de gestação. Vinte e quatro horas após o parto, as amostras foram coletadas do recém-nascido e triadas por imunoensaios enzimáticos, que revelaram anticorpos contra SARS-CoV-2.

Palavras-chave: Infecções por Coronavírus, Imunização Passiva, Vacina

INTRODUÇÃO

A nova doença por coronavírus (Covid-19) é uma doença respiratória transmissível extremamente contagiosa causada pela síndrome respiratória aguda grave coronavírus (SARS-CoV-2), que em adultos pode levar a pneumonia viral grave, exigindo hospitalização em cerca de 15% dos pacientes infectados e uma taxa de letalidade geral de 2–3% 1. Mulheres grávidas e puérperas são mais vulneráveis a infecções graves por Covid-19 do que mulheres não grávidas com as mesmas características basais1,2.

Os efeitos da Covid-19 em mulheres grávidas e seus bebês ainda estão sendo estudados. A gravidez altera várias funções do corpo humano, deixando as mulheres mais vulneráveis a doenças infecciosas, incluindo à SARS-CoV-2 e sua transmissão vertical para o feto; este último ainda não foi descartado3.

As infecções por SARS-CoV-2 apresentam um cenário clínico muito heterogêneo que pode depender da carga viral e da vulnerabilidade de uma pessoa infectada. Os sintomas podem incluir tosse, coriza, febre, dor de garganta e dispneia que pode variar de assintomática a insuficiência respiratória grave4. Embora os idosos e adultos com comorbidades sejam o grupo mais vulnerável para agravamento e morte, mulheres grávidas e crianças de 0 a 1 ano também são vulneráveis às complicações da Covid-192,5.

Existem dados limitados sobre a segurança das vacinas contra a Covid-19 durante a gravidez. Os ensaios clínicos sobre sua eficácia e segurança não incluíram mulheres grávidas; portanto, a decisão de vacinar mulheres grávidas contra a Covid-19 é baseada em uma relação risco-benefício. No Brasil, profissionais de saúde grávidas que atuam na linha de frente do surto da Covid-19 foram imunizadas com CoronaVac® porque esta vacina utiliza uma tecnologia conhecida e segura para grávidas, desde que seu uso seja recomendado por um obstetra6.

O objetivo deste estudo foi relatar um caso de transmissão passiva de anticorpos anti-SARS-CoV-2 por imunoprofilaxia em gestantes durante o terceiro trimestre de gestação.

Relato de caso

TMI, uma médica de 33 anos, era multípara. Em 23, de fevereiro de 2021, com 34 semanas de gestação, recebeu a primeira dose de 0,5 ml da vacina CoronaVac® (Instituto Butantan, São Paulo, Brasil) contendo 600 SU do antígeno do vírus inativado para SARS-CoV-2. Uma segunda dose de igual volume e composição foi administrada em 15 de março de 2021, quando ela estava com 37 semanas de gestação. Nenhuma complicação foi detectada durante o pré-natal. Ela compareceu a 10 consultas pré-natais sem quaisquer sintomas de infecção por SARS-CoV-2. Houve ganho de peso de 14 kg, e ela encerrou a gestação com peso de 110 kg e altura de 166 cm.

O parto ocorreu com 39 semanas de gestação por cesariana em 9 de abril de 2021. O recém-nascido era do sexo masculino, pesava 3,44 kg, 48 cm de comprimento e 33 cm de perímetro cefálico. Ele foi amamentado e uma avaliação física abrangente revelou que ele era saudável. Os escores de Apgar em 1 e 5 minutos foram 9 e 10, respectivamente.

As amostras de sangue foram coletadas por punção venosa periférica 24 horas após o nascimento para detectar anticorpos neutralizantes contra SARS-CoV-2/covid-19. O teste sorológico, realizado por imunoensaio enzimático (cPass™ SARS-CoV-2 Neutralization Antibody Detection Kit, GenScript, Make Research Easy), apresentou resultado de 22%, considerado positivo pelo valor de corte de 20%. O kit de detecção de anticorpos de neutralização cPass™ SARS-CoV-2 é um ensaio imunoenzimático de bloqueio (ELISA) destinado à detecção direta qualitativa de anticorpos neutralizantes totais para SARS-CoV-2 em soro humano e plasma K2-EDTA como uma ferramenta detecção. Usando o domínio de ligação do receptor purificado, a proteína da proteína spike viral (S) e o receptor da célula hospedeira ACE2, este teste é projetado para imitar a interação vírus-hospedeiro por uma interação proteína-proteína direta em um tubo de ensaio ou poço de uma placa ELISA. Esta interação altamente específica pode então ser neutralizada da mesma maneira que em um teste de neutralização de vírus convencional.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (parecer nº. 4.728.687) em 24 de maio de 2021. O consentimento informado foi obtido da mãe da criança antes da coleta de dados.

DISCUSSÃO

A vacina inativada SARS-CoV-2 com hidróxido de alumínio desenvolvida pela Sinovac Life Sciences Co. Ltd., conhecida como CoronaVac®, demonstrou ser segura e eficaz para induzir anticorpos neutralizantes específicos7.

O Instituto Butantan (Brasil) realizou um estudo com 9.823 participantes que receberam duas doses da CoronaVac entre julho e dezembro de 2020. A taxa de eficácia primária foi de 50,7% (intervalo de confiança [IC] de 95%, 36.0-62.0) contra Covid-19, sintomática, enquanto a eficácia secundária foi de 83,7% (IC de 95% 58.0-93,7) contra casos moderados que requerem assistência e 100% (IC 95% 56,4–100,0 contra casos graves) 7.

Neste relato de caso, a vacina CoronaVac foi administrada a uma mulher grávida e considerada segura de acordo com a literatura porque as vacinas inativadas consistem em antígenos mortos e são seguras para este grupo específico sem quaisquer efeitos adversos maiores ou danos ao feto. Estudos revelaram que a vacinação de gestantes contra influenza, hepatite A e tétano, por exemplo, é prática comum6,8.

Estudos comparando o comportamento da Covid-19 entre mulheres grávidas e não grávidas foram realizados para melhorar o cuidado pré-natal e encontrar alternativas seguras para a imunização durante a gravidez. Esses estudos mostraram que as mulheres grávidas que adquiriram a SARS-CoV-2 e desenvolveram sintomas infecciosos corriam grande risco de hospitalização; o desenvolvimento de condições graves que requerem internação em unidade de terapia intensiva; progressão para insuficiência respiratória com necessidade de ventilação invasiva (intubação endotraqueal); e, consequentemente, alto risco de mortalidade. Do ponto de vista obstétrico, também têm sido observadas altas taxas de partos prematuros e a prevalência de partos operatórios2,5.

Neste relato de caso, a imunidade passiva pode ter ocorrido por via transplacentária medida pelos anticorpos totais após a exposição aos antígenos inativados da vacina administrada no terceiro trimestre gestacional. A transferência de imunoglobulina G da mãe para o feto começa no final do primeiro trimestre da gestação e aumenta ao longo da gravidez, variando de 10% da concentração materna nas semanas 17–22 a 50% nas semanas 28–32. A concentração continua a aumentar no terceiro trimestre, permitindo que as concentrações de anticorpos fetais excedam os níveis maternos em 2030% 9. Estudos sugerem que a detecção da imunoglobulina M no sangue do cordão umbilical é mais comum em mulheres vacinadas no segundo ou terceiro trimestre da gravidez, conforme já evidenciado nos estudos das vacinas contra o tétano e influenza8,9,10.

Portanto, a imunização durante a gravidez pode aumentar a proteção imunológica materna e provocar a produção e transferência de anticorpos através da placenta para fornecer proteção infantil precoce. Estudos recentes têm mostrado que essa estratégia é um meio seguro e eficiente para proteger mães e bebês de infecções evitáveis por vacinas11.

A vacinação durante a gravidez é uma estratégia para melhorar a saúde das mães, dos fetos e dos recém-nascidos. Compreender as características da transferência de anticorpos é fundamental para o desenvolvimento de uma vacina que ajude a proteger os recém-nascidos12. No entanto, é importante realizar estudos longitudinais sobre a duração da imunidade para mães e crianças, bem como a necessidade de uma terceira dose ou reforço da vacina.  Crianças menores de 12 anos não estão atualmente cobertas pelo Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 no Brasil.

Neste relato de caso, imunidade passiva ao feto foi observada por meio da vacinação materna. A mãe foi exposta ao vírus inativo, uma tecnologia usada no imunizante CoronaVac®. As duas doses administradas na 31ª e 34ª semanas de gestação proporcionaram um aumento nos anticorpos totais da mãe e, consequentemente, proporcionaram imunidade ao feto avaliada pela resposta total de anticorpos.

Até onde sabemos, este é o primeiro caso de imunização do recém-nascido após a vacinação da mãe durante o terceiro trimestre da gravidez com a vacina CoronaVac®. O monitoramento deste e de casos semelhantes é essencial para estimar a duração dos anticorpos circulantes na criança e o papel da amamentação na manutenção da imunidade contra a SARS-CoV-2.

Agradecimentos

A presente pesquisa teve o apoio da equipe de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Contribuição dos autores

BTM e FST conceberam a ideia apresentada e desenvolveram a teoria. A ANB verificou os métodos e a teoria. TMI e OHMF realizaram o experimento. O CEMM ajudou a supervisionar o projeto. DJT supervisiona o projeto. Todos os autores discutiram os resultados e contribuíram para o manuscrito final.

Apoio Financeiro

Universidade do Sul de Santa Catarina

Orcid

Bruno Thizon Menegali: 0000-0001-7347-159X

Fabiana Schuelter-Trevisol: 0000-0003-0997-1594

Alexandre Naime Barbosa: 0000-0002-2187-4722

Talita Menegali Izidoro: 0000-0003-2246-9566

Otto Henrique May Feurschuette: 0000-0001-7908-7708

Chaiana Esmeraldino Mendes Marcon: 0000-0001-7031-437X

Daisson José Trevisol: 0000-0002-7053-9082

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