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Vacinação obrigatória dos profissionais da saúde contra a influenza no Brasil

Bruno R. Schlemper Junior - Mestrado Biociências e Saúde/Universidade do Oeste de Santa Catarina/Joaçaba

07/03/2018
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Objetiva-se estimular a reflexão e discussão produtiva sobre o tema, não só no meio acadêmico, mas, sobretudo, para as nossas sociedades científicas, órgãos de classe e os responsáveis pelas políticas públicas do setor

É desnecessário enfatizar a importância das vacinas no controle, redução, eliminação e erradicação de doenças infecciosas no mundo e o momento é extraordinariamente oportuno para falar de obrigatoriedade de vacinação contra a gripe, pois 2018 marca o 100º aniversário da gripe espanhola, responsável por 50 a 100 milhões de óbitos. Na atualidade, para piorar, especialistas advertem que os vírus H5N1 e H7N9 são origens possíveis de uma nova pandemia1 Por sua vez, o tema da obrigatoriedade de vacinação é muito antigo, remontando a 1853, quando a Inglaterra aprovou a lei de vacinação compulsória contra a varíola, surgindo, no mesmo século, o primeiro movimento antivacina. As taxas de vacinação dos grupos de risco vêm caindo em todo o mundo ocasionando o ressurgimento de surtos e epidemias de doenças infecciosas preveníveis e os grupos contrários à imunização têm enorme parcela de culpa.

Em decorrência, afirma-se que: “There´s a war going on out there – a quiet, deadly war2 , sendo os profissionais da saúde convocados à luta por seu importante papel nesse confronto de conhecimentos, argumentos e convencimentos. As vacinas são consideradas vítimas de seu próprio sucesso e o êxito da vacinação global dependerá da manutenção da confiança da população nos programas de imunização, nos responsáveis pelas políticas públicas, no engajamento dos profissionais de saúde e na recomendação a seus pacientes, por serem eles as fontes mais confiáveis de informação ao público3. Porém, como podem eles recomendar a vacinação a seus pacientes se eles próprios não se vacinam? Suas taxas de vacinação contra a influenza são tragicamente inexpressivas em todo o mundo, com predomínio de patamares inferiores a 50%4, inclusive no Brasil5. São várias as causas da não vacinação: a. não querem ser vacinados; b. a vacina é desnecessária; c. a vacina não é efetiva; d. pode causar eventos adversos; e.pode causar a influenza; f. o risco de contrair a doença é baixo; g. O horário e local de vacinação são inadequados; h. Medo ou aversão à agulhas6. Conclui-se, assim, que a política de adesão voluntária desses trabalhadores na guerra contra a influenza demostrou ser ineficaz em aumentar a taxa de vacinação ao longo dos anos. A guerra está declarada e vencerá quem utilizar estratégias mais rígidas no combate ao mortal virus da influenza e ao exército dos movimentos antivacina.

Assim, nesta guerra sem fronteiras contra a influenza, propõe-se incluir uma arma cientificamente eficaz, econômica e de ação difusora como a vacinação compulsória anual dos profissionais da saúde. Há muito a obrigatoriedade é adotada em países do primeiro mundo e recomendada por inúmeras organizações da saúde, sobretudo estadunidenses (College of Physicians, Academy of Pediatrics, Infectious Diseases Society, Society for Healthcare Epidemiology, National Patient Safety Foundation e muitas outras)7. Há alguns anos, instituições hospitalares condicionam a permanência no emprego dos profissionais da saúde à vacinação anual contra a influenza, sem aceitação de justificativas filosóficas e religiosas. Nos Estados Unidos, a cada ano, 10% a 20% dos profissinais da saúde adquirem a influenza e são capazes de transmiti-la a seus colegas e pacientes e cerca de 10% dos surtos nosocomiais de gripe são causados por eles7. Com o emprego desta eficaz arma as batalhas estão sendo exitosas, alcançando índices de vacinação superior a 95%, embora isto seja apenas uma das muitas etapas a serem vencidas. E nós, países do terceiro mundo, o que vamos fazer? Continuar não levando esta guerra a sério e fazendo de conta que está tudo bem? Continuar com o mesmo discurso de defesa da autonomia enquanto nossas crianças e idosos vão a óbito?

Do ponto de vista ético, o debate da obrigatoriedade se centra no velho dilema entre o respeito à autonomia e o bem comum. Os bioeticistas defendem que, de modo geral, na dependência do tipo de agente etiológico e circunstâncias da epidemia, o interesse coletivo deve preponderar sobre a autonomia do indivíduo, em nome dos princípios da justiça social e da solidariedade. Caplan, um dos mais iminentes bioeticistas, ao defender o uso desta ferramenta na guerra da vacinação contra a influenza, em contrário ao princípio da autonomia, pergunta: Direitos? Que direitos poderiam ser esses? O direito de ignorar todas as evidências de segurança e eficácia das vacinas, continuando assim a promulgar um medo irracional por parte do público da melhor proteção a bebês, mulheres grávidas, idosos e frágeis têm contra a influenza? Esses direitos? Se esta conduta já é amplamente utilizada nos países desenvolvidos, com muito mais obviedade deve ser defendida nos países em que o número de indivíduos vulneráveis e/ou desnutridos/subnutridos é muito maior, como ocorre no Brasil, o que os tornam imunologicamente suscetíveis aos agentes da influenza sazonal e epidêmica.

A vacinação compulsória é um imperativo ético e moral, pois os códigos deontológicos dos profissionais da saúde colocam o interesse dos pacientes em primeiro lugar (beneficência), não causar dano ao seu paciente (não maleficência) e dar proteção aos vulneráveis (justiça). Acrescente-se seu dever moral de atuar como exemplo para o público, evitando reforçar os sentimentos de antivacinação. A questão cultural é a mais difícil de ser superada por razões históricas e de predomínio em nossa sociedade do valor “meus direitos” sobre o valor “responsabilidade” e compromisso com o próximo. Entende-se ser vital para o sucesso pretendido que os trabalhadores da saúde compreendam plenamente as razões éticas e morais de tal proposição adotando-se, para tanto, programas educacionais abrangentes 8

Em conclusão, objetiva-se estimular a reflexão e discussão produtiva sobre o tema, não só no meio acadêmico, mas, sobretudo, para as nossas sociedades científicas, órgãos de classe e os responsáveis pelas políticas públicas do setor. È imprescindível que a Academia, detentora da confiança do público, se contraponha de forma clara e permanente às fake news das redes sociais para que os profissionais da saúde se filiem no lado ético da trincheira. E nós, pesquisadores e professores da área, precisamos apoiar esta corrente nesta guerra secular, estimulando as instituições de atenção à saúde para darem as condições apropriadas e a encorajar seus trabalhadores da saúde ao nobre ato da vacinação contra a influenza.  Para evitar as mortes na próxima temporada, o amanhã é hoje e o hoje é a adoção de novas estratégias de combate para vencermos esta guerra surda e injusta, adotando-se como medida preliminar e exemplar, a vacinação compulsória dos profissionais da saúde no Brasil.

Referências

  1. The European Scientific Working Group on Influenza (ESWI). Report of The Fourth European Influenza Summit. Brussels, 2015. Available from: http://eswi.org/flusummit/. [Accessed 2017 12 04]
  2. Offit PA. Deadly choices. How the anti-vaccine movemente threatens us all. New York: Basic Books; 2015.
  3. Schwartz JL, Caplan AL, editors. Vaccination ethics and policy. An introducing with readings. Cambridge: The MIT Press; 2017.
  4. Weber DJ, Rutala WA. Vaccines for health care personnel. In: Plotkin AS, Orenstein WA, Offit PA, editors. Vaccines. 6th ed. New York: Elsevier Saunders; 2015.
  5. Schlemper Junior BR, Beltrame V, Hellmann F. The Ethical Duty of Physicians to Strengthen their Own Immunization and Childhood Vaccination. In: Morales-González JA, Nájera EA. Bioethics. InTechOpen, 2018 (no prelo). ISBN: 978-953-51-6051-9.
  6. Stewart AM, Cox MA, O’Connor ME. Influenza Vaccination of the Health Care Workforce: A Literature Review. The George Washington University. School of Public Health and Healt Services. Spring 2011.
  7. Poland G, Jacobson RM, Tilburt J, Wicker S. Mandating Influenza Vaccination of Health Care Workers: A Patient Safety, Quality of Care, and Public Trust Issue. Annals of Respiratory Medicine. 2011;2:(1)1-6.

8. Caplan AL. The art of medicine. Time to mandate influenza vaccination in health-care workers. Lancet. 2011;378 July 23:310-311.