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Vírus de alta letalidade ressurge no Brasil após 20 anos

Dois novos casos de infecção pelo vírus sabiá (SABV) foram identificados usando metagenômica em pacientes com suspeita de febre amarela grave

09/07/2022
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O diagnóstico foi realizado a partir do sequenciamento do material genético viral. Na análise das duas infecções, os pesquisadores identificaram sintomas análogos aos registrados nos casos da década de 90

Uma pesquisa realizada em coparticipação pelo Instituto de Medicina Tropical (IMT) e o Hospital das Clínicas (HC), ambos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), aprofundou as investigações sobre o vírus sabiá (SABV), causador da febre hemorrágica brasileira. Anteriormente, apenas quatro infecções desse tipo foram detectadas no País, a última delas há mais de 20 anos. A investigação ocorreu durante a epidemia de febre amarela na região Sudeste, em 2019, em casos que não foi possível fechar o diagnóstico, momento em que os pesquisadores decidiram analisar outros vírus. Para surpresa, foram encontrados dois casos, que são extremamente raros. O artigo intitulado “Understanding Sabiá virus infections (Brazilian mammarenavirus)”, com as novas informações sobre manifestações clínicas, exames de tecidos e órgãos e possibilidade de transmissão hospitalar foi publicado na revista Travel Medicine and Infectious Disease.

Na análise das duas infecções fatais do estudo, os pesquisadores identificaram sintomas análogos aos registrados nos casos da década de 90. Em todos houve comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa, o que pode ter facilitado o surgimento de infecções secundárias, tornando o diagnóstico inicial mais complexo. Para realizar os diagnósticos, os cientistas utilizaram a técnica metagenômica, técnica que permite identificar vírus ainda desconhecidos por meio da extração, replicação e eventual sequenciamento do material genético do agente infeccioso. O material é então comparado a outros organismos em bancos de dados de bioinformática, com informações de patógenos de todo o mundo, e ao relacionar o vírus encontrado nos pacientes com outros tipos de Mammarenavirus e verificar a compatibilidade da descoberta com a prática clínica, foi possível determinar que se tratava do SABV. A professora do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da FMUSP, Dra. Anna S. Levin ressalta que os avanços na área de investigação de doenças, especialmente na microscopia eletrônica, permitiram este estudo mais aprofundado sobre o Brazilian mammarenavirus, o vírus sabiá.

Os dois novos casos detectados ocorreram possivelmente uma na região do vale do Ribeira (durante trekking) e a outra em Assis, no interior de São Paulo. O primeiro é um homem de 52 anos e o segundo é de um homem de 63 anos. Os casos registrados tiveram como ponto em comum infecções ocorridas na zona rural. A parte clínica se mostrou muito parecida com o que já havia sido visto em infecções anteriores. As análises indicam que em todos os casos houve um comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa, o que pode ter facilitado o surgimento de infecções secundárias, tornando o diagnóstico inicial mais complexo. Segundo a Dra. Levin, uma diferença importante deste estudo em relação aos relatos de outros vírus do mesmo gênero remete à incidência de transmissão hospitalar, já que os cientistas não encontraram nenhuma infecção desse tipo durante o rastreamento de contatos. A transmissão hospitalar ocorre com outros Mammarenavirus. Entretanto, ela assinala que ainda não é possível determinar uma conclusão, pois trata-se apenas de dois casos.

Sobre a febre hemorrágica brasileira

É uma doença rara, isolada e de alta letalidade provocada por vírus da família Arenaviridae. Na literatura médica, foram registrados há mais de 20 anos quatro casos humanos, sendo dois adquiridos em ambiente silvestre, no estado de São Paulo, e dois por infecção em ambiente laboratorial. Todos eles foram provocados pelo arenavírus, uma variante do vírus sabiá, cujo nome do vírus faz referência ao bairro Sabiá, localizado no município de Cotia, na Grande São Paulo, onde suspeita-se que a primeira vítima tenha sido infectada. Embora existam vários tipos de Mammarenavirus descritos em diferentes países da América do Sul, o vírus sabiá é característico do Brasil.

Inicialmente, a febre hemorrágica pode ser confundida com outras doenças, como febre amarela e dengue. Os principais sintomas são febre, mal-estar, dores musculares, manchas vermelhas no corpo, dor de garganta, dor de estômago e atrás dos olhos, dor de cabeça, tonturas, sensibilidade à luz, constipação e sangramento de mucosas (boca e nariz, por exemplo). Conforme o quadro evolui, há risco de comprometimentos neurológico (sonolência, confusão mental, alteração de comportamento e convulsão) e hepático (hepatite). O início dos sintomas se dá entre 6 e 14 dias, e pode variar de 5 a 21 dias, após a exposição ao vírus (período de incubação).

A transmissão da febre hemorrágica brasileira se dá por inalação de partículas provenientes de urina, fezes ou saliva de roedores infectados. Os hospedeiros dos vírus são roedores silvestres, ou seja, que vivem em ambiente de mata e com alta densidade de vegetação. No entanto, ainda não se identificou qual é a espécie transmissora da doença no Brasil. O risco de transmissão é maior no interior e em áreas rurais. Também pode haver a transmissão entre seres humanos quando há contato muito próximo e prolongado com pessoas doentes, sobretudo em ambientes hospitalares, e se não forem tomadas medidas de prevenção ou usados os equipamentos de proteção necessários, como por exemplo, máscara, luva, óculos e avental.

A melhor forma de prevenção é evitar o contato com roedores silvestres encontrados em áreas rurais e de mata. Vale lembrar que lixões e locais com acúmulos de itens como lenha, produtos agrícolas, palha e feno são os habitats preferenciais desses animais. Também é importante manter os ambientes limpos, sem poeira, lixo e entulhos, arejar e se possível molhar o chão de galpões ou abrigos que tenham permanecido fechados por muito tempo ou apresentem sinais evidentes de presença de roedores.