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Testagem de vulneráveis como estratégia para controlar COVID-19

Estratégias tradicionais de controle de infecção e saúde pública dependem fortemente da detecção precoce da doença para conter a disseminação

11/06/2020
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Indivíduos assintomáticos que residam ou trabalham em lares de idosos ajudará a controlar surtos e a proteger os pacientes mais velhos, que estão em risco

Estudos científicos recentes apontam que até 60% das transmissões do COVID-19 ocorrem através de assintomáticos. Pesquisadores defendem que a realização de testes em larga escala para encontrar e isolar casos assintomáticos, principalmente entre os profissionais de saúde, que podem transmitir o vírus sem querer a colegas ou pacientes, é uma estratégia vital para conter a propagação da doença.

A Dra. Monica Gandhi, professora de medicina e diretora da divisão de HIV, doenças infecciosas e medicina global, e chefe da divisão de doenças infecciosas do San Francisco Health Network (SFHN), autora do artigo publicado em abril no New England Journal of Medicine intitulado “Asymptomatic Transmission, the Achilles’ Heel of Current Strategies to Control COVID-19”, defende a adoção de uma nova abordagem que expanda os testes da COVID-19 de forma a incluir pessoas assintomáticas que residam ou trabalham em ambientes de enfermagem. Para ela, a triagem baseada em sintomas por si, falha em detectar uma alta proporção de casos infecciosos e não é suficiente para controlar a transmissão em ambientes fechados, como casas de repouso. “Uma nova abordagem que expande os testes para incluir indivíduos assintomáticos que residem ou trabalham em lares de idosos ajudará a controlar surtos e a proteger os pacientes mais velhos, que estão em risco de doenças graves”, assinala.

Ainda de acordo com a professora, que também é mestre em Saúde Pública, testes em massa de residentes em casas de repouso permitirão procedimentos adequados de isolamento e quarentena. “Também expandimos essa recomendação para outras situações de convivência, como pensões e prisões, hospitais de saúde mental fechados, abrigos para sem-teto e pacientes internados.”, alerta. Em sua opinião, a capacidade de teste atual deve aumentar imediatamente para que essa estratégia seja implementada. “As estratégias que recomendamos para realizar campanhas de testagem em massa em ambientes vulneráveis para residentes e funcionários exigirão um aumento significativo na capacidade de testagem”, observa a Dra. Gandhi.

Outra maneira eficiente eficientes de conter a disseminação do novo coronavírus é rastrear onde estão as pessoas com COVID-19 incluindo grupos assintomáticos. Entretanto, a Dra. Gandhi, que também é diretora médica no Centro de pesquisas em AIDS Gladstone, esclarece que em lugares como os Estados Unidos, onde a transmissão em massa da comunidade já ocorreu, ela duvida que todo mundo possa ser testado e rastreado. “Por isso recomendo focar em grupos vulneráveis em ambientes fechados. Não acho viável esperar que os marcadores de contato estejam ao lado de todos os pacientes infectados, esperando rastrear todos os contatos possíveis para colocar em quarentena. Os Estados Unidos são o terceiro país mais populoso do planeta, sem dúvida o período passou em termos de uso de rastreamento de contatos para conter a disseminação na população em geral”, assinala.

Assintomáticos tornam controle da COVID-19 mais difícil

Um indivíduo contaminado passa a apresentar os sintomas cerca de cinco dias após a infecção, mas há pessoas que permanecem sempre assintomáticas, são aquelas que não percebem o vírus e não voltam a ter quadros graves, apesar de poderem transmitir para outras. A Dra. Gandhi ressalta uma pessoa assintomática pode ser tão contagiosa quanto uma pessoa com sintomas, como mostrado em pequenos estudos que demonstram que as cargas virais no nariz e na boca entre aqueles que não apresentam sintomas são tão altos quanto aqueles que apresentam sintomas.

Em relação à disseminação da infecção assintomática, a pesquisadora explica que embora se tenha alguns modelos iniciais da porcentagem de infecção disseminada por pessoas assintomáticas (cerca de 55%) versus pessoas sintomáticas, os dados ainda estão surgindo. “No entanto, certamente vimos taxas de infecção assintomática aumentarem ao longo do tempo – iniciadas  com 18% em Diamond Princess (sem mascaras ou cautela); metade no início de um lar de idosos no estado de Washington; 53% em uma campanha de testes em massa no distrito LatinX de São Francisco; ~90% em uma campanha de testes em massa no maior abrigo para sem-teto em São Francisco; 96% entre 3300 prisioneiros com testes positivos de SARS-Co-V em quatro prisões de Ohio. Médicos em todo o mundo estão relatando taxas crescentes de infecção assintomática”, lamenta.

A testagem de indivíduos assintomáticos representa uma importante estratégia porque se tira de circulação alguém que pode infectar mais indivíduos suscetíveis. Entretanto, a infecção assintomática parece ser comum e deve continuar a complicar os esforços para controlar a pandemia. Para a Dra. Gandhi, infecção assintomática pode ser boa e ruim. Para ela, o problema é que a infecção assintomática ainda pode levar à transmissão para outras pessoas. Mas, o uso de máscaras e outras estratégias podem reduzir essa possibilidade.. “Contudo, se ocorrerem taxas mais altas de infecção assintomática em todo o mundo, isso pode ser uma coisa boa, isso é preferível do que uma doença grave”, diz. Ainda segundo a professora, pode ser que o uso universal de máscaras e outras estratégias estejam levando a exposições com inóculos mais baixos. A Dra. Gandhi destaca também taxas mais altas de exposição, como foi observado nas campanhas de testes de anticorpos no Japão, sem as consequências inaceitáveis de doenças graves, podem levar a uma maior imunidade no nível da comunidade enquanto o mundo aguarda uma vacina.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o registro de pesquisas sobre transmissões de pessoas assintomáticas e pré-sintomáticas apontam que:

  • 6,4% das 157 pessoas monitoradas em pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em 16 de março, haviam sido infectadas por pacientes pré-sintomáticos. A transmissão aconteceu em um intervalo de um a três dias antes da manifestação dos sintomas pelo paciente-fonte;
  • Na China, os assintomáticos foram responsáveis por transmissões de 46% a 62% dos casos, segundo pesquisadores da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, em um estudo publicado em 16 de março com base em dados coletados e um modelo de metapopulação;
  • 48% das transmissões em Singapura e 62% na cidade de Tianjin, na China, tiveram origem em assintomáticos, segundo estudo desenvolvido por pesquisadores holandeses e belgas, publicado em 18 de março.

Em janeiro, 86% dos casos na China, em Wuhan, eram pacientes assintomáticos. E vale lembrar que pacientes assintomáticos podem transmitir a outros sem imposição de distanciamento social e uso de máscaras em público. Por fim, a Dra. Gandhi atenta que após uma infecção assintomática, a pessoa pode ter anticorpos contra o SARS-CoV-2 no sangue. “É provável que, mesmo após uma infecção assintomática, não apenas uma infecção sintomática, o indivíduo possa obter anticorpos contra o SARS-CoV-2 no sangue”, enfatiza. Segundo ela, isso seria uma grande vantagem da infecção assintomática (caso a pessoa seja infectada sem mostrar sinais de doença e, em seguida, tiver imunidade). “Mas ainda são necessários mais estudos sobre isso”, encerra a professora.

**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**