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Manaus mostra que infecção natural não gera proteção e não pode ser opção para o mundo

Perda de imunidade após primeira onda e variante do vírus mais transmissível podem explicar aumento de casos de 552 em dezembro para 3.431 em janeiro

09/03/2021
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O limiar da imunidade de rebanho não é um valor fixo. Ele é calculado com base na taxa de contágio. Para calcular o limiar da imunidade de rebanho é preciso saber o Rt e esse valor é uma estimativa

Em Manaus os hospitais seguem lotados, a fila de espera por internação na rede pública ainda é muito alta, as mortes por COVID-19 continuam acontecendo às dezenas e as flexibilizações somadas ao novo e evidente relaxamento da população em relação a medidas de distanciamento, podem levar a consequências imprevisíveis em função de novo recrudescimento da segunda onda de contágio e mortalidade pelo novo coronavírus.

Em agosto de 2020, quando Manaus registrava três meses de queda acentuada nos casos de COVID-19 mesmo com as escolas e o comércio reabertos, especialistas brasileiros levantaram a hipótese de que o limiar da imunidade coletiva ao vírus teria sido alcançado, ainda que, os inquéritos sorológicos apontassem uma soroprevalência inferior a 30% em toda a região Norte. A ideia ganhou força em setembro, quando pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores divulgaram o artigo intitulado “COVID-19 herd immunity in the Brazilian Amazon”, utilizando amostras de bancos de sangue, que estimava por meio de modelagem matemática que a soroprevalência na capital amazonense seria de 66%, ou seja, estaria perto do limiar calculado no início da pandemia pela fórmula clássica usada na epidemiologia.

Em dezembro, quando saiu a versão final do estudo com o título “Three-quarters attack rate of SARS-CoV-2 in the Brazilian Amazon during a largely unmitigated epidemic”, também coordenado pela professora do Departamento de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da USP e diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP, Dra. Ester Sabino, a estimativa era de que 76% dos manauaras já tinham imunidade contra o novo coronavírus.

Teria então a perda de imunidade causado a segunda onda de infecções em Manaus? A Dra. Sabino, uma das mais renomadas imunologistas brasileira, que participou do sequenciamento do genoma do novo coronavírus, explica que o trabalho realizado mostrou qual foi o ataque da infecção em Manaus. “Segundo as nossas medidas o percentual foi de 76% em outubro. Fizemos várias outras análises com os nossos e outros dados e sempre acabamos chegando a valores muito próximos a esse. Esse dado tem um valor que é teórico de imunidade rebanho, que é 66%. Portanto, nossos dados estão acima do valor teórico de uma imunidade rebanho”, ressalta.

Ainda de acordo com a pesquisadora, uma imunidade rebanho natural só funciona se não houver reinfecção. Em sua avaliação, a epidemia em Manaus, só pode ser explicada por perda da imunidade associada a uma variante que consiga sobressair a essa imunidade inicial à infecção “Isso não acontece apenas com Sars-CoV-2, mas com todas as infecções de outros coronavirus, isso ocorre com muita frequência. Reinfecção é comum entre os outros coronavirus e não haveria motivo para acharmos que o mesmo não se daria com o Sars-CoV-2”, argumenta a Dra. Sabino.

Para se ter uma ideia, entre o primeiro e segundo surtos de COVID-19,  reportagem divulgada pelo G1, mostra que o mês de abril de 2020 registrou 2.128 novas internações, número que foi ultrapassado entre 1º e 12 de janeiro, com 2.221 novas internações. No dia 29 de maio, a média móvel de novos casos por dia era de 1.696. Em 14 de janeiro, esse número atingiu seu pico com 2.080 casos por dia. O estado registrou 3.816 novos casos no dia 14 de janeiro, sendo 2.516 somente em Manaus. Foi o maior número registrado no estado e na capital amazonense desde o início da pandemia, em março de 2020.

De acordo com os números divulgados pelo Ministério da Saúde no dia 02 de fevereiro, o coronavírus matou 2 mil pessoas por milhão de habitantes no Amazonas. A taxa é superior a registrada na Bélgica, país onde o COVID-19 mais mata em relação ao tamanho da população. No país europeu, foram, até o início de fevereiro contabilizadas 1.818 vítimas por milhão.

Na avaliação da Dra. Sabino, o tamanho da epidemia em Manaus está associado a uma cepa com maior taxa de transmissibilidade e provavelmente com maior taxa de patogenicidade “Estamos tentando medir e definir qual a taxa de patogenicidade dessa nova cepa, isso ainda não foi definido porque não é algo tão simples de se fazer”, diz a imunologista que sequenciou o genoma do novo coronavírus.

Sob o título Resurgence of COVID-19 in Manaus, Brazil, despite high seroprevalence artigo publicado na revista científica The Lancet, em 27 de janeiro, lembra o estudo o qual demonstrava que 76% da população de Manaus tinha anticorpos contra o novo coronavírus. Com isso, a capital do Amazonas teria atingido a imunidade de rebanho, calculada entre 60% e 70%. O novo trabalho apresenta quatro hipóteses não excludentes para a epidemia de COVID-19 que recomeçou em dezembro em Manaus. Além da perda de imunidade dos contaminados, o artigo menciona a possibilidade da imunidade de rebanho não ter sido atingida, das mutações do Sars-CoV-2 burlarem a proteção imunológica criada por contaminações anteriores e das novas variantes do vírus terem uma taxa de transmissão maior. A pesquisa, também liderada pela Dra. Ester Sabino, reúne outros 23 pesquisadores, e se baseia no número de casos, hospitalizações e mortes por COVID-19 para analisar as características de transmissibilidade das linhagens do novo coronavírus em circulação na capital amazonense.

Ao que tudo indica, a variante P.1 não é a única com a qual o Amazonas deve se preocupar, uma vez que existem outras variantes igualmente perigosas circulando no Brasil e que ainda não se sabe qual o efeito delas na mesma região. Enquanto o vírus segue ceifando vidas mundo e Brasil afora, os erros com a vacinação seguem a todo vapor com o País se aproximando dos 280 mil óbitos confirmados por COVID-19, sem levar em consideração a subnotificação e as mortes indiretas causadas pela pandemia.