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Febre Oropouche: um novo desafio para saúde pública

Recentemente houve um aumento significativo de casos, o que colocou as autoridades em estado de alerta

06/06/2024

Os sintomas da febre Oropouche são similares aos de outras arboviroses, como dengue, o que pode dificultar o diagnóstico

O Brasil enfrenta um novo desafio em saúde pública com a disseminação da febre Oropouche, uma doença viral que tem causado preocupação crescente entre especialistas e autoridades sanitárias. Com registros de casos em diversas regiões do País, a doença levanta alertas sobre a necessidade de vigilância e medidas de controle para evitar uma epidemia. Segundo informações divulgados pelo Ministério da Saúde, até o dia 13 de março, o Brasil contabilizava 5.102 casos da doença, número cinco vezes maior do que o registrado no ano passado (832). Amazonas e Rondônia registram o maior número de casos. Os demais foram registrados ou estão em investigação na Bahia, Acre, Espírito Santo, Pará, Rio de Janeiro, Piauí, Roraima, Santa Catarina, Amapá, Maranhão e Paraná.

Diante dos casos identificados, a pasta pede a atenção dos profissionais de saúde para o vírus e a importância dos testes para a correta identificação da doença. Não são conhecidos óbitos relacionados diretamente à febre Oropouche, mas ela pode levar a inflamações nas meninges (tecidos que recobrem o cérebro), que podem causar consequências permanentes. Para saber mais sobre o assunto, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou o Dr. Felipe Naveca, pesquisador em Saúde Pública, chefe do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz-RJ) e chefe do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes ou Negligenciados do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz-AM).

Confira a entrevista na íntegra.

SBMT: A que se deve o aumento dos casos de febre Oropouche?

Dr. Felipe Naveca: O aumento dos casos detectados de febre Oropouche se deve a dois fatores principais. Primeiro, a intensificação da vigilância. Desde 2016, desenvolvemos o ensaio para testar os vírus Oropouche e Mayaro em casos que não foram confirmados como dengue, Zika, Chikungunya. Recentemente, o Ministério da Saúde conseguiu descentralizar esses diagnósticos para os diferentes Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen). Isso aumentou os testes para casos anteriormente negativos para dengue.

O segundo fator é o aumento das temperaturas e a mudança no regime de chuvas, que alteram o comportamento do vetor, além do aumento das áreas de desmatamento. Observamos que muitos casos confirmados de Oropouche na região Norte ocorreram em áreas recentemente desmatadas. Portanto, o desequilíbrio ambiental e a intensificação da vigilância explicam o aumento dos casos.

SBMT: Oroupoche pode ser o próximo surto enfrentado no Brasil?

Dr. Felipe Naveca: Atualmente, temos mais de cinco mil casos confirmados, todos comprovados em laboratório. Mas o número provavelmente é ainda maior, já que a testagem começou recentemente. Historicamente, o Oropouche foi considerado por muitos anos o segundo arbovírus mais importante no Brasil. Claro que esse cenário muda com a chegada do Chikungunya e do Zika, por um período, pelo menos. No entanto, o Oropouche sempre foi um vírus importante. Agora, com a testagem sendo realizada de forma sistemática, vamos realmente entender o impacto desse vírus em todo o País.

SBMT: Em maio de 2023, um estudo intitulado “Transmission risk of Oropouche fever across the Americas“, publicado na revista Infectious Diseases of Poverty, estimava 5 milhões de pessoas em risco na América Latina. As Américas correm risco de um surto do vírus Oropouche?

Dr. Felipe Naveca: Não apenas o Brasil, mas vários países da América Latina possuem o vetor da febre Oropouche. Os culicoides, que são o gênero do vetor, estão presentes desde o Canadá até a Argentina. Estamos trabalhando em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para aumentar a vigilância. No final de abril e início de maio, realizamos um treinamento em Manaus (AM) para capacitar sete países a realizar o diagnóstico localmente. Com essa descentralização liderada pela OPAS, esperamos aumentar a vigilância desse vírus, pois acreditamos que ele também esteja circulando em outros países.

SBMT: Quais são os desafios para o controle e vigilância da febre Oropouche?

Dr. Felipe Naveca: O controle da febre Oropouche é mais difícil porque não conhecemos o vetor tão bem quanto conhecemos o Aedes aegypti. Ou seja, as estratégias de controle podem ser mais complexas, já que o vetor do vive mais em áreas periurbanas, não exatamente dentro das casas. Isso representa um desafio, já que as medidas de controle não são as mesmas que usamos para um vetor altamente doméstico como o A. aegypti. Contudo, conseguimos melhorar bastante a vigilância com a descentralização dos ensaios para os diferentes Lacens, o que deve proporcionar uma maior cobertura.

SBMT: Quais medidas de prevenção recomendadas para evitar a disseminação da doença?

Dr. Felipe Naveca: Devido ao que mencionei anteriormente, as medidas de prevenção hoje são mais de âmbito pessoal. Recomenda-se o uso de repelente e roupas compridas, especialmente em áreas onde se sabe que há circulação do Culicoides paraensis ou de qualquer culicoide, popularmente conhecido como maruim ou meruim. Portanto, em locais onde esse vetor está presente, a população deve tomar medidas como a utilização de repelente e roupas compridas, principalmente ao ar livre.

SBMT: Como a febre Oropouche se compara à dengue em termos de sintomas e transmissão?

Dr. Felipe Naveca: Em termos de sintomas, a febre Oropouche é extremamente semelhante à dengue, tornando praticamente impossível descartar se é febre Oropouche ou dengue apenas com base nos sintomas clínicos. Por isso, em áreas endêmicas ou onde há circulação conhecida da febre Oropouche, é essencial realizar a confirmação laboratorial. Quanto à transmissão, o vetor principal conhecido na literatura é o Culicoides paraensis, conhecido como mosquito pólvora, maruim ou meruim, dependendo da região. Embora existam estudos que sugerem que mosquitos do gênero Culex, que também são domésticos, possam ter um papel secundário na transmissão, até o momento o Culicoides paraensis continua sendo o vetor principal.

SBMT: Qual o impacto da doença no sistema de saúde pública?

Dr. Felipe Naveca: O real impacto da febre Oropouche no sistema de saúde só será conhecido agora, com a testagem sistemática em todo o país vamos saber de verdade qual o tamanho desse impacto. Com base em dados anteriores da literatura, já ocorreram alguns surtos explosivos com milhares de casos. Portanto, espera-se que a febre Oropouche seja significativa em termos de saúde pública. É importante lembrar que existem formas graves da doença que levam ao comprometimento do sistema nervoso central, com manifestações de encefalite e/ou meningite. Até o momento, não há óbitos confirmados para Oropouche, mas isso pode mudar. Para mim não seria uma surpresa, uma vez que isso também aconteceu com Zika e Chikungunya, quando no início, pensava-se que não havia óbitos. À medida que os casos aumentam, formas mais graves da doença começaram a surgir. Embora ainda não tenhamos confirmações de óbitos por febre Oropouche, não me causaria surpresa se isso acontecer.

SBMT: Como o senhor vê a situação das arboviroses (dengue, Zika, Chikungunya, Oropouche, Mayaro) enfrentadas pelo Brasil nos últimos tempos?

Dr. Felipe Naveca: Vemos um cenário bastante preocupante em relação às arboviroses. Tivemos muitos casos de dengue em 2023 e 2024 registrou o maior número da nossa história, com mais de 5 milhões de casos de dengue até o momento, além dos casos de Chikungunya e febre Oropouche. A situação do Zika é um pouco incógnita, pois temos dados de sorologia mostrando a presença de anticorpos contra zika, mas não temos detecções por outras técnicas, tornando difícil entender o que está acontecendo atualmente. No entanto, dengue, Chikungunya e Oropouche claramente estão circulando.

Além disso, temos a febre Mayaro, um vírus conhecido há muito tempo na região Amazônica e Centro-oeste. Ou seja, outros vírus também podem estar circulando, e Mayaro é um deles. Por isso, reforço a importância de ampliar a vigilância. Lembro ainda que o método de vigilância para o vírus Oropouche, desenvolvido pela Fiocruz da Amazônia e agora usado em todo o Brasil e em vários países por meio da OPAS, também detecta a presença do vírus Mayaro.

SBMT: O que podemos esperar para um futuro próximo em relação às síndromes febris agudas?

Dr. Felipe Naveca: As síndromes febris agudas vão continuar existindo. O que podemos fazer é melhorar a nossa vigilância, testando para um maior painel de vírus, como estamos fazendo agora. Conhecendo melhor o número real desses casos, podemos combater o problema de maneira mais eficaz. Espero que consigamos aumentar a vigilância e melhorar a compreensão sobre essas doenças e, assim, ter um controle mais eficiente sobre elas.

SBMT: Gostaria de acrescentar algo?

Dr. Felipe Naveca: É importante destacar o papel das mudanças climáticas e do desmatamento. Esses fatores aumentam a proliferação dos vetores e facilitam a emergência de novos vírus.

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**Esta reportagem reflete exclusivamente a opinião do entrevistado.**