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Assembleia Mundial da Saúde abordará decisão de instituir o Dia Mundial das Pessoas Acometidas pela doença de Chagas

O Dia Mundial é um símbolo importante para tornar visível a luta das pessoas acometidas em todo o mundo e um incentivo para o controle da doença

08/03/2019
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Aproximadamente 12 mil pessoas morrem por ano de causas associadas à doença de Chagas. No Brasil, cerca de 6 mil morrem todo ano devido a complicações crônicas

A doença de Chagas apresenta a maior carga de adoecimento e morte entre todas as doenças negligenciadas no Brasil. Em 2017, por exemplo, o País foi responsável por 70% das mortes no mundo por doença de Chagas mantendo esta enfermidade como um crítico problema de saúde pública. A negligência é traduzida pela falta de investimento em pesquisas, tanto para o controle da transmissão do protozoário Trypanosoma cruzi por suas diferentes formas (vetorial, oral, de mãe para filho, sanguínea quanto para diagnóstico e tratamento da infecção nas pessoas acometidas, tanto na fase aguda, quanto na crônica. O desconhecimento sobre a doença é um grande problema. De acordo com um estudo desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), os profissionais de saúde e a população em geral sabem pouco sobre a doença. Além disso, a migração de pessoas infectadas oriundas de países latino-americanos, inclusive de brasileiros, ampliam o risco de transmissão para áreas não endêmicas, outro obstáculo no enfrentamento deste mal absolutamente negligenciado em termos de políticas públicas.

A analista em assuntos humanitários de MSF Marina Siqueira reconhece que há um grande desconhecimento em torno da temática desta enfermidade, que se reflete de maneira direta na falta de números oficiais sobre a questão. “Muitas pessoas convivem com a doença sem saber da própria condição, algumas chegam a morrer sem que a causa do óbito seja relacionada à doença de Chagas. Os dados sobre a morbidade se baseiam em números estimados, já que é muito baixo o acesso das pessoas ao diagnóstico”, lamenta. Segundo ela, para modificar essa realidade é necessário aumentar o conhecimento dos profissionais e gestores de saúde sobre a doença, com treinamentos periódicos, bem como da população em geral. “É preciso criar políticas para aumentar o acesso ao diagnóstico, além de integrar o diagnóstico e o tratamento na rede de serviços da atenção básica, bem como incorporar o diagnóstico nos exames de pré-natal, assim como já é feito para sífilis, infecção por HIV e hepatites virais, por exemplo. Também é fundamental priorizar a doença nas agendas políticas de saúde pública e fortalecer a busca ativa de pessoas com a enfermidade em sua fase crônica”, ressalta. A 16ª Conferência Nacional de Saúde torna-se uma grande oportunidade para a construção de agendas que insiram a temática da doença de Chagas.

 

O diretor do programa de Chagas da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês), Dr. Sergio Sosa Estani, assinala que os dados sobre a doença variam muito, mas a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) estimou que há cerca de 6 milhões de pessoas infectadas em 21 países da América Latina. Desse total, menos de 10% são diagnosticadas e uma minoria recebe tratamento. “A falta de informações e dados é um grande desafio e contribui para isso, pois é impossível saber exatamente qual a carga da doença”, admite. Além disso, a doença impacta a comunidade, uma vez que as complicações associadas à doença muitas vezes impedem as pessoas de trabalhar.

 

O Professor Dr. Alberto Novaes Ramos Jr. da Universidade Federal do Ceará (UFC) admite que de fato, as dimensões de informação, comunicação e educação em saúde para a doença de Chagas são historicamente muito frágeis. “A doença não é reconhecida pela sociedade e não conseguimos fazer ecoar a triste realidade desta enfermidade como problema de saúde pública”, complementa. Segundo ele, por incrível que pareça, aspectos relativos aos insetos vetores (os triatomíneos ou barbeiros) são mais difundidos e localizáveis, por exemplo, em materiais informativos e educativos do que aqueles próprios da doença humana. “Há poucos materiais específicos e de boa qualidade disponíveis para serem trabalhados nos municípios. Não há campanhas nacionais ou estaduais voltadas para a doença de Chagas. Um exemplo crítico é que os dados epidemiológicos que demonstram mais de 6 mil mortes anualmente pela doença e a estimativa de 3 milhões de brasileiros infectados não têm impacto nas mídias, na academia, nos financiadores de pesquisas e organizações nacionais/internacionais. Os surtos de transmissão oral chamam a atenção, mas caem no esquecimento depois. O que aconteceu com as pessoas que se infectaram? Não se sabe totalmente”, lastima.

 

Para tentar mudar essa realidade, em novembro de 2018, os membros da Plataforma de Pesquisa Clínica de Chagas e a Coalizão Global de Chagas, reunidos em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), assinaram um documento dirigido aos governos, organizações internacionais e doadores, estabelecendo as demandas prioritárias para avançar na luta contra a doença. A Carta de Santa Cruz determina quatro medidas urgentes para alcançar o controle e a eliminação da doença de Chagas como problema de saúde pública: ampliar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento integral da doença no âmbito dos sistemas de saúde; aumentar o investimento em pesquisa e desenvolvimento para obter novas ferramentas diagnósticas e terapêuticas mais seguras e mais eficazes; melhorar a vigilância da doença implementando a notificação compulsória de casos crônicos; e estabelecer oficialmente o Dia Internacional das Pessoas Acometidas por Chagas, no dia 14 de abril, que tem como objetivo ajudar a tirar a doença do esquecimento.

 

Dia Mundial das Pessoas Acometidas pela doença de Chagas

 

A Assembleia Mundial da Saúde, que será realizada em maio, abordará a decisão de instituir o dia 14 de abril como o “Dia Mundial das Pessoas Acometidas pela doença de Chagas”. Para o Dr. Javier Sancho, Coordenador da Coalizão Global de Doenças de Chagas do Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal), essa é uma novidade a ser celebrada e compartilhada, em especial, com as associações de pessoas acometidas pela doença, que reivindicam a instituição desta data há muito tempo.

 

Marina Siqueira afirma que a criação de um dia oficial mundial das pessoas acometidas pela doença representa um importante passo para mudar seu histórico de negligência e subnotificação, aumentando a conscientização sobre a doença de Chagas enquanto um problema global, atual e prioritário de saúde pública. “Acreditamos que a inclusão deste Dia na agenda oficial da OMS será uma forma simples e eficaz de aumentar o nível de informação que se tem hoje tanto para população quanto para gestores e profissionais de saúde, mantendo-os atualizados sobre o tema e sobre sua importância, reforçando ser esse um problema de saúde evitável e tratável”, enfatiza. O Dr. Sergio Sosa Estani diz que Dias mundiais são importantes para dar visibilidade a doenças e combater a negligência. “Este é um pedido da Federação Internacional de Associações de Pessoas Acometidas pela doença de Chagas (FindeChagas), que tem total apoio da DNDI e de outras organizações”, complementa.

 

Visibilidade às pessoas acometidas pela doença

 

Além da criação do Dia mundial é preciso também colocar o assunto em pauta nas diversas esferas da sociedade. “É importante garantir que os currículos das Faculdades de Medicina do País abordem a doença como um problema de saúde pública atual, e não do passado. Além disso, as sociedades científicas, autoridades sanitárias do setor público e privado, assim como as agências internacionais, devem incluir a doença de Chagas na agenda pública”, destaca o Dr. Sergio Sosa Estani.

 

Marina Siqueira lembra que ainda é um desafio muito grande tornar visíveis às milhões de pessoas acometidas pela doença, uma vez que existe uma geração de pessoas excluídas do sistema de saúde pela falta acesso a diagnóstico oportuno. Saber de sua situação é o primeiro passo para prevenir o sofrimento e as complicações mais graves que comprometem a qualidade de vida dessas pessoas. Para ela, é preciso sensibilização constante para que a enfermidade saia do esquecimento e para que as políticas sejam voltadas ao melhor atendimento das pessoas acometidas. “Existe uma falsa percepção de que a doença de Chagas é uma doença extinta e, como conseqüência, há baixíssimo investimento em treinamento contínuo de profissionais e pouca, ou quase nenhuma, abordagem do tema nos cursos universitários na área da saúde. Para que haja mudança de fato é preciso que seja estimulada a promoção de treinamentos e capacitações dentro e fora dos cursos universitários, não só para os profissionais de saúde, mas também para as autoridades governamentais. Sem um forte compromisso político, esse cenário irá se manter”, observa.

 

Investimento de recursos para P&D na doença de Chagas

 

A doença de Chagas é uma das enfermidades que não desperta muito interesse para o mercado porque não dá retorno lucrativo. Infelizmente, este é um círculo vicioso que se repete para todas as doenças chamadas de negligenciadas. “Como não constituem um mercado lucrativo para a indústria farmacêutica e de diagnóstico, praticamente não há inovação. O resultado disso são medicamentos antigos e que apresentam severas limitações, como baixa tolerabilidade e eficácia, e tratamentos de longa duração, entre outras”, enfatiza o Dr. Sergio Sosa Estani.

 

Um levantamento feito em 2015 revelou que as três infecções por cinetoplastídeos (doença de Chagas, Leishmaniose e Tripanossomíase Africana) receberam apenas 4% de todo o recurso global em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Além disso, entre essas três doenças, Chagas foi a que recebeu menos recursos (16% do aplicado nas três). Ou seja, o nível de recursos investidos em P&D para essa enfermidade especificamente é muito baixo, irregular e incompatível com a carga da doença, que afeta milhões de pessoas. O aumento desse investimento é essencial para desenvolver medicamentos e ferramentas médicas melhores e mais simplificadas, capazes de impulsionar as estratégias de diagnóstico e tratamento. Para essa mudança acontecer é preciso que as estratégias globais e regionais sobre a doença de Chagas deem mais importância ao eixo de P&D, que raramente é mencionado. Já o relatório divulgado este ano pela G-Finder sobre investimento em P&D em doenças negligenciadas, apontou que, doença de Chagas, para o qual o Brasil foi, durante cinco anos, o segundo maior financiador de pesquisas, o corte em 2017 chegou a 74%.

 

Felipe de Carvalho, coordenador no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos de MSF chama atenção para que financiadores internacionais dediquem mais recursos para P&D na doença de Chagas, e que organizações multilaterais, como a OMS, promovam coordenação para definir prioridades de P&D, fazendo com que os investimentos sejam focados nas maiores necessidades das pessoas acometidas. “Existem bons exemplos de que é possível realizar pesquisas importantes para doença de Chagas mobilizando a comunidade científica, governos e setores da indústria, como tem acontecido mediante esforços da DNDi. Entretanto, essas iniciativas precisam se multiplicar e, em âmbito mais amplo. Precisamos que os sistemas de inovação estejam mais pautados pelas necessidades de saúde do que pelas necessidades do mercado, caso contrário continuaremos nos deparando com doenças que são uma grande prioridade de saúde, mas uma baixa prioridade de P&D”, alerta.

 

A Data

 

As Associações filiadas à FindeChagas escolheram o dia 14 de abril como Dia Internacional das Pessoas Acometidas por Chagas, justamente por ter sido a data em que o pesquisador brasileiro, Dr. Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, há 109 anos, comunicou sua descoberta à comunidade científica. Essa data tem sido usada pela FindeChagas para cobrar melhores estratégias de enfrentamento à doença. A criação de um Dia mundial precisa ser encarada pelos estados membros da OMS como uma oportunidade histórica de transformar a realidade de milhões de pessoas e de suas famílias e comunidades.

 

A Federação

 

A FindeChagas foi oficialmente criada em outubro do ano de 2010 e atualmente está composta por mais de 20 associações espalhadas por países do mundo todo (Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Colômbia, Espanha, EEUU, Itália, México, Suíça e Venezuela).